quarta-feira, 31 de março de 2010

Conjectura: O Casal Nardoni Tem Direito a Novo Julgamento?


por Rômulo de Andrade Moreira*

1. Introdução

No ano de 2008 foi promulgada e publicada a Lei 11.689/2008, revogando, no seu art. 4º o Capítulo IV do Título II do Livro III do CPP, extinguindo o protesto por novo júri. Esta lei, que entrou em vigor no dia 11 de agosto de 2008 (1), originou-se do PL. 4.203/01 e passou a estabelecer novas regras para o procedimento a ser adotado no julgamento dos crimes dolosos contra a vida e os que lhe forem conexos (art. 78, I do CPP).

O então Ministro da Justiça, Dr. José Carlos Dias, ao assumir o Ministério, editou o Aviso nº 1.151/99, convidando o Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP a apresentar uma proposta de reforma do nosso CPP. Este mesmo Ministro, agora por via da Portaria nº 61/00, constituiu uma Comissão para o trabalho de reforma, tendo como membros os juristas Ada Pellegrini Grinover (Presidente), Petrônio Calmon Filho (Secretário), Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes, Luiz Flávio Gomes, Miguel Reale Júnior, Nilzardo Carneiro Leão, René Ariel Dotti (que mais tarde saiu, sendo substituído por Rui Stoco), Rogério Lauria Tucci e Sidnei Beneti.

Com a inesperada e lamentável saída do Ministro Dias, o novo titular da Pasta, Dr. José Gregori, pela Portaria nº 371/00, confirmou a Comissão anteriormente formada, com a substituição já referida. Ao final dos trabalhos, a Comissão de juristas entregou ao Ministério da Justiça, no dia 06 de dezembro de 2000, sete anteprojetos que, por sua vez, originaram os seguintes projetos de lei:

1º) Projeto de lei nº 4.209/01: investigação criminal;

2º) Projeto de lei nº 4.207/01: suspensão do processo/procedimentos;

3º) Projeto de lei nº 4.205/01: provas;

4º) Projeto de lei nº 4.204/01: interrogatório/defesa legítima;

5º) Projeto de lei nº 4.208/01: prisão/medidas cautelares e liberdade;

6º) Projeto de lei nº 4.203/01: júri;

7º) Projeto de lei nº 4.206/01: recursos e ações de impugnação.

Alguns destes projetos continuam em tramitação no Congresso Nacional; outros já foram sancionados, entre os quais os que tratam sobre provas, interrogatório e Júri.

2. O Código de Processo Penal

Como se sabe, o nosso CPP é do ano de 1941 e ao longo desse período poucas alterações sofreu em que pese serem evidentes as mudanças sociais ocorridas no País e tendo em vista a nova ordem constitucional vigente.

O seu surgimento, em pleno Estado-Novo (2), traduziu de certa forma a ideologia de então, mesmo porque las leyes son e deben ser la expresión más exacta de las necesidades actuales del pueblo, habida consideración del conjunto de las contingencias históricas, en medio de las cuales fueron promulgadas (grifo nosso). (3)

À época tínhamos em cada Estado da Federação um CPP, pois desde a Constituição Republicana a unidade do sistema processual penal brasileiro fora cindida, cabendo a cada Estado da Federação a competência para legislar sobre processo, civil e penal, além da sua organização judiciária.

Segundo Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, a questão é tentar quase o impossível: compatibilizar a Constituição da República, que impõe um Sistema Acusatório, com o Direito Processual Penal brasileiro atual e sua maior referência legislativa, o CPP de 41, cópia malfeita do Codice Rocco de 30, da Itália, marcado pelo princípio inquisitivo nas duas fases da persecutio criminis, logo, um processo penal regido pelo Sistema Inquisitório. (...) Lá, como é do conhecimento geral, ninguém duvida que o advogado de Mussolini, Vincenzo Manzini, camicia nera desde sempre, foi quem escreveu o projeto do Codice com a cara do regime (...) (4)

Como notara o mestre Frederico Marques, o golpe dado na unidade processual não trouxe vantagem alguma para nossas instituições jurídicas; ao contrário, essa fragmentação contribuiu para que se estabelecesse acentuada diversidade de sistemas, o que, sem dúvida alguma, prejudicou a aplicação da lei penal. (5)

Até que em 03 de outubro de 1941 promulgou-se o DL 3.689, que entraria em vigor a partir de 1º de janeiro do ano seguinte; para resolver principalmente questões de natureza de direito intertemporal, promulgou-se, também, o DL 3.931/41, a LICPP.

Este Código, elaborado, portanto, sob a égide e os influxos autoritários do Estado Novo, decididamente não é, como já não era um estatuto moderno, à altura das reais necessidades de nossa Justiça Criminal, como dizia Frederico Marques. Segundo o mestre paulista, continuamos presos, na esfera do processo penal, aos arcaicos princípios procedimentalistas do sistema escrito (...) O resultado de trabalho legislativo tão defeituoso e arcaico está na crise tremenda por que atravessa hoje a Justiça Criminal, em todos os Estados Brasileiros. (...) A exemplo do que se fizera na Itália fascista, esqueceram os nossos legisladores do papel relevante das formas procedimentais no processo penal e, sob o pretexto de por cobro a formalismos prejudiciais, estruturou as nulidades sob princípios não condizentes com as garantias necessárias ao acusado, além de o ter feito com um lamentável confusionismo e absoluta falta de técnica. (6)

Assim, se o velho CPP teve a vantagem de proporcionar a homogeneidade do processo penal brasileiro, trouxe consigo, até por questões históricas, o ranço de um regime totalitário e contaminado pelo fascismo, ao contrário do que escreveu na exposição de motivos o Dr. Francisco Campos,
in verbis: Se ele (o Código) não transige com as sistemáticas restrições ao poder público, não o inspira, entretanto, o espírito de um incondicional autoritarismo do Estado ou de uma sistemática prevenção contra os direitos e garantias individuais.

É bem verdade que ao longo dos seus 60 anos de existência, algumas mudanças pontuais foram marcantes e alvissareiras como, por exemplo, o fim da prisão preventiva obrigatória com a edição das Leis 5.349/67, 8.884/94, 6.416/77 e 5.349/67; a impossibilidade de julgamento do réu revel citado por edital que não constituiu advogado (Lei 9.271/96); a revogação do seu art. 35, segundo o qual a mulher casada não poderia exercer o direito de queixa sem o consentimento do marido, salvo quando estivesse separada dele ou quando a queixa contra ele se dirigisse (Lei 9.520/97); modificações no que concerne à prova pericial (Lei 8.862/94); a possibilidade de apelar sem a necessidade de recolhimento prévio à prisão (Lei 5.941/73); a revogação dos artigos atinentes ao recurso extraordinário (Lei 3.396/58), etc.

Por outro lado, leis extravagantes procuraram aperfeiçoar o nosso sistema processual penal, podendo citar as que instituíram os Juizados Especiais Criminais (Leis 9.099/95 e 10.259/01), e que constituem, indiscutivelmente, o maior avanço já produzido em nosso sistema jurídico processual, desde a edição do Código de 1941. Há, ainda, a que disciplinou a identificação criminal (Lei 10.054/00); a proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas (Lei 9.807/99); a que possibilitou a utilização de sistema de transmissão de dados para a prática de atos processuais (Lei 9.800/99); a lei de interceptações telefônicas (Lei 9.296/96); a Lei 8.038/90, que disciplina os procedimentos nos Tribunais, e tantas outras, algumas das quais, é bem verdade, de duvidosa constitucionalidade (para não dizer de absoluta inconstitucionalidade).

3. A Reforma do Código de Processo Penal

Pois bem. Este é o quadro atual. Além de algumas alterações pontuais, seja no próprio texto consolidado, seja por intermédio de leis esparsas, nada mais foi feito para modernizar o nosso diploma processual penal, mesmo após a nova ordem constitucional consagrada pela promulgação da Carta Política de 1988.

E, assim, o atual código continua com os vícios de 60 anos atrás, maculando em muitos dos seus dispositivos o sistema acusatório, não tutelando satisfatoriamente direitos e garantias fundamentais do acusado, refém de um excessivo formalismo (que chega a lembrar o velho procedimentalismo), assistemático e confuso em alguns dos seus títulos e capítulos, bastando citar a disciplina das nulidades. (7)

Destarte, podemos apontar como finalidades precípuas desta reforma a modernização do velho código e a sua adaptação ao sistema acusatório (objetivo, aliás, ainda não inteiramente alcançado), com os seus consectários lógicos, tais como a distinção nítida entre o julgador, o acusador e o acusado, a publicidade, a oralidade, a ampla defesa, o contraditório, etc.

Sobre o sistema acusatório, assim escreveu Vitu:

Ce système procédural se retrouve à l’origine des diverses civilisations méditerranéennes et occidentales: en Grèce, à Rome vers la fin de la Republique, dans le droit germanique, à l’époque franque et dans la procédure féodale. "Ce système, qui ne distingue pás la procédure criminelle de la procédure, se caractérise par des traits qu’on retrouve dans les différents pays qui l’ont consacré. "Dans l’organisation de la justice, la procédure accusatoire suppose une complète égalité entre l’accusation et la défense" (8)

Ademais, a reforma está mais ou menos consentânea com os princípios estabelecidos pelo Projeto de Código Processual Penal-Tipo para Ibero América. Neste Código-Modelo há alguns princípios básicos, a saber:

1) "O julgamento e decisão das causas penais será feito por juízes imparciais e independentes dos poderes do Estado, apenas sujeitos à lei." (art. 2º).

2) O imputado ou acusado deve ser tratado como inocente durante o procedimento, até que uma sentença irrecorrível lhe imponha uma pena ou uma medida de segurança. (art. 3º).

3) A dúvida favorece o imputado. (idem).

4) É inviolável a defesa no procedimento. (art. 5º).

Tais idéias serviram também de base para outras reformas feitas (ou por serem realizadas) em outros países, como a Argentina, Guatemala, Costa Rica, El Salvador, Chile, Venezuela, Bolívia, Paraguai, Honduras, Equador, Itália e Portugal. (9)

Aliás, el Derecho procesal penal de los países latinoamericanos, observado como conjunto, ingresó, a partir de la década del’80, en un período de reformas totales, que, para el lector europeo, puede compararse con la transformación que sufrió el Derecho procesal penal de Europa continental durante el siglo XIX. No se trata, así, de modificaciones parciales a un sistema ya adquirido y vigente, sino, por lo contrario, de una modificación del sistema según otra concepción del proceso penal. Descrito sintéticamente, se puede decir que este proceso de reformas consiste en derogar los códigos antiguos, todavía tributarios de los últimos ejemplos de la Inquisición – recibida con la conquista y la colonización del continente –, para sancionar, en más o en menos, leyes procesales penales conformes al Estado de Derecho, con la aspiración de recibir en ellas la elaboración cumplida en la materia durante el siglo XX. (10)

Pode-se, portanto, inferir que as reformas processuais penais já levadas a cabo em vários países da América Latina e por virem em tantos outros, são frutos, na verdade, de modificações no sistema político destes países que foram, paulatinamente, saindo de períodos autoritários para regimes democráticos. É como se a redemocratização impulsionasse o sistema processual do tipo inquisitivo para o sistema acusatório. Aliás, é inquestionável a estreita ligação entre o sistema processual penal de um país e o seu sistema político. Um país democrático (11) evidentemente deve possuir, até porque a sua Constituição assim o obriga, um CPP que adote o sistema acusatório, eminentemente garantidor. Ao contrário, em um sistema autoritário, o processo penal, a serviço do Poder, olvida os direitos e garantias individuais básicos, privilegiando o sistema inquisitivo, caracterizado, como genialmente escreveu Ferrajoli, por una confianza tendencialmente ilimitada en la bondad del poder y en su capacidad de alcanzar la verdad. O sistema inquisitivo, portanto, confía no sólo la verdad sino también la tutela del inocente a las presuntas virtudes del poder que juzga. (12)

Assim,
a uniformidade legislativa latino-americana – na verdade compreendendo agora a comunidade cultural de fala luso-espanhola – apoiada em bases comuns e sem prejuízo das características próprias de cada região, é uma velha aspiração de muitos juristas do nosso continente. Além disso, ela foi o sonho de alguns grandes homens, fundadores de nossos países ou de nossas sociedades políticas. (...)

Em nossos países, geralmente, a justiça penal tem funcionado como uma ‘caixa-preta’, afastada do controle popular e da transparência democrática. O apego aos rituais antigos; As fórmulas inquisitivas, que na cultura universal já constituem curiosidades históricas; a falta de respeito à dignidade humana; a delegação das funções judiciais; o segredo; a falta de imediação; enfim, um atraso político e cultural já insuportável, tornam imperioso começar um profundo movimento de reforma em todo o continente.
(13)

É evidente que o ideal seria uma reforma total, completa, que propiciasse uma harmonia absoluta no sistema processual penal, mas, como sabemos, se assim o fosse as dificuldades que já existem hoje, seriam ainda maiores. Preferiu-se, de outro modo, uma reforma que, se não chega a ser total (o que seria de difícil aprovação, à vista das evidentes dificuldades de natureza legislativa que todos nós conhecemos), também não chega a ser simplesmente pontual, até porque, como esclarece Ada, não incide apenas sobre alguns dispositivos, mas toma por base institutos processuais inteiros, de forma a remodelá-los completamente, em harmonia com os outros. Não é, portanto, uma reforma isolada, mas tópica. (14)

Este movimento reformista não se limita à América Latina. Na Europa também se encontram em franco desenvolvimento reformas no sistema processual penal. A título de exemplo, podemos referir a Alemanha, onde también el Derecho procesal penal há sido modificado en varias ocasiones entre 1997-2000 (15), a Itália (16) e a Polônia, país que desde hace 12 años se realizan reformas en la legislación, relacionadas con el cambio de régimen político, económico y social, que tuvo lugar en 1989 y también con la necesidad de adaptar las soluciones jurídicas polacas a las soluciones aceptadas en la Unión Europea. (...) Las reformas de la legislación penal e procesal penal constituyen una parte esencial del ‘movimiento legislativo reformador’, segundo nos informa a Drª Barbara Kunicka-Michalska, do Instituto de Ciências Jurídicas da Academia de Ciências da Polônia, em Varsóvia. (17)

Recentemente, o Senado Federal instituiu uma comissão de juristas para propor um novo CPP; a comissão pretende concluir a redação final no mês de março de 2009, para que seja submetida a consulta pública. Segundo o presidente da comissão, o Ministro do STJ Hamilton Carvalhido, um dos principais objetivos das propostas é o de dar maior celeridade à Justiça. Um das medidas seria o fim da participação dos juízes na tramitação do inquérito policial, o qual ficaria a cargo da autoridade policial e do MP. A diligência policial não exigiria mais autorização judicial, apenas do MP. O Ministro Carvalhido defendeu a criação da figura do juiz de garantia, a quem caberia exercer o controle sobre a legalidade da investigação, inclusive quanto à autorização para interceptações telefônicas, solicitadas pela autoridade policial. Tal juiz sairia da causa a partir do oferecimento da denúncia, dando lugar a outro magistrado, que teria maior independência para avaliar a validade das provas colhidas no inquérito. Um dos pontos do anteprojeto, que deve despertar maior polêmica, é o fim da prisão especial para pessoas com diploma de nível superior, que ficaria restrita apenas a algumas autoridades. As prisões preventivas devem ter prazo máximo delimitado. É preciso continuar essa mudança de mentalidade de ver na [prisão] preventiva uma antecipação da sanção penal, embora não haja ainda julgamento definitivo, que possa criar a certeza da aplicação da pena, afirmou Carvalhido. O ministro considerou positiva a decisão do STF, que garante a liberdade do acusado até que não haja condenação em última instância, com sentença transitada em julgado. Tal entendimento, segundo ele, reforça o princípio de que a prisão cautelar é de natureza excepcional. É necessário que os direitos das pessoas sob investigação sejam respeitados, o que não significa dizer que não se pode prender cautelarmente, ressalvou Carvalhido. Após passar pela consulta pública, o texto final do anteprojeto do CPP será submetido ao exame e aprovação dos senadores, para que seja transformado em projeto e vá à votação no Congresso Nacional. Além do ministro Carvalhido, integram a comissão, instituída em 9 de julho do ano passado, o juiz federal Antônio Corrêa; o advogado e professor da Universidade de São Paulo (USP) Antônio Magalhães Gomes Filho; o procurador regional da República Eugenio Pacelli; o consultor legislativo do Senado Fabiano Augusto Martins Silveira; o advogado e ex-secretário de Justiça do estado do Amazonas Félix Valois Coelho Júnior; o advogado e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Jacinto Nelson de Miranda Coutinho; o delegado federal e presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal Sandro Torres Avelar; e o promotor de Justiça Tito de Souza Amaral (Fonte: Agência Brasil). O texto do relator, o procurador da República Eugênio Pacelli de Oliveira, assim como o PLC 111/08, deve propor a extinção da prisão especial para pessoas com diploma de nível superior, a limitação do prazo máximo para as prisões preventivas, bem como as circunstâncias em que ela pode ser utilizada. Como um texto que visa substituir integralmente o atual CPP, o anteprojeto também propõe a instituição do juiz de garantias, que participaria apenas da fase de investigação, não sendo responsável pela sentença. Segundo o consultor legislativo do Senado para as áreas de Direito e Processo Penal Fabiano Silveira, foram muitas as fontes consultadas, do Brasil e do exterior, até a comissão chegar a um anteprojeto final. Ele revelou que as recentes alterações no CPP, como as três leis sancionadas em 2008, foram preservadas naquilo que não se chocassem com a concepção de processo penal adotado pela comissão. Pela abordagem adotada, a comissão buscou delimitar o papel de cada uma das autoridades envolvidas no processo penal: o juiz, o representante do MP e o da polícia judiciária. - Estivemos sempre muito atentos para esses papéis e sua preservação, sem interferências de parte a parte. Buscamos moderar o protagonismo judicial na fase de investigação e também na iniciativa probatória na fase processual. Com essa compreensão se encaixam as propostas desenvolvidas - explicou Fabiano Silveira, adiantando ainda que o anteprojeto estimula uma aproximação entre a polícia e o MP, desburocratizando a fase do inquérito. Outra necessidade identificada pela comissão, afirma o consultor, é a de retirar resquícios autoritários do processo penal brasileiro, adequando-o ao caráter democrático e liberal da CF/88, ao mesmo tempo limitando o instituto da prisão provisória e ampliando o poder e as alternativas cautelares do magistrado. Para Fabiano Silveira, as medidas podem diminuir no país o número de prisões antes da sentença final, trazendo-o para níveis mais aceitáveis (
Fonte: Agência Senado).

4. O fim do protesto por novo júri

Como se disse, foram revogados os arts. 607 e 608 do CPP que tratavam do protesto por novo júri, recurso exclusivo da defesa que exigia ser o condenado submetido a um novo julgamento sempre que a sentença condenatória fosse de reclusão por tempo igual ou superior a 20 anos, sendo inadmissível uma segunda interposição.

Sem adentrar o mérito da revogação e da extinção deste recurso (que não obteve da referida Comissão a unanimidade), traremos à baila a discussão acerca de uma possível ultratividade dos artigos revogados e, por conseguinte, de uma irretroatividade da lei nova.

Pergunta-se: quem for submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri por crime praticado (data da ação ou omissão: art. 4º do CP) antes da entrada em vigor da nova lei terá direito ao protesto por novo júri, ainda que a condenação seja-lhe posterior e quando já não mais se preveja o recurso? Neste caso, haveria impossibilidade jurídica a inviabilizar o manejo do recurso ou teríamos que admiti-lo excepcionalmente?

Como se sabe há dois princípios basilares que regem o direito intertemporal das leis em matéria criminal: o primeiro afirma que a lei penal não retroage salvo para beneficiar o réu (art. 2°, parágrafo único do CP e art. 5°, XL da CF). Se é certo que a regra é a da irretroatividade da lei penal, e isto ocorre por uma questão de segurança jurídico-social, não há de se olvidar a exceção de que se a lei penal for de qualquer modo mais benéfica para o seu destinatário, forçosamente deverá ser aplicada aos casos pretéritos, retroagindo.

Este princípio insere-se no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais da nossa Carta Magna e, como garantia fundamental, tem força vinculante, no sólo a los poderes públicos, sino también a todos los ciudadanos, como afirma Perez Luño (18), tendo também uma conotação imperativa, porque dotada de caráter jurídico-positivo. (19)

O segundo princípio é o da aplicação imediata da lei processual penal, preconizado pelo art. 2º do CPP e que proclama a regra da aplicação imediata (tempus regit actum).

Desta forma, à vista desses dois princípios jurídicos, haveremos de analisar o disposto no referido art. 4º da Lei 11.689/08 que extinguiu o protesto por novo júri.

5. A questão do direito intertemporal

Como adiantamos, a questão reside saber se em relação aos autores de crimes dolosos contra a vida (ou conexos) haverá ainda a possibilidade de interposição daquele meio recursal, quando o crime tiver sido praticado antes da entrada em vigor da referida lei e o julgamento for posterior.

Para que se manifeste um entendimento correto, urge que procuremos definir a natureza jurídica da norma ora revogada: seria ela de natureza puramente processual ou, tão-somente, penal; ou híbrida (penal e processual)? Admitindo-se a natureza puramente processual, obviamente não há falar-se em irretroatividade ou ultra-atividade; porém, se aceitarmos que são normas processuais penais materiais (ou híbridas), a ultra-atividade dos artigos revogados e a irretroatividade da nova lei impõem-se, pois, indiscutivelmente, sendo disposição mais gravosa deve excepcionar o princípio da aplicação imediata da lei processual penal.

Atentemos que qualquer norma que trate de um meio recursal diz respeito a uma garantia constitucionalmente assegurada que é o duplo grau de jurisdição. O devido processo legal deve garantir a possibilidade de revisão dos julgados. A falibilidade humana e o natural inconformismo de quem perde estão a exigir o reexame de uma matéria decidida em primeira instância, a ser feito por juízes coletivos e magistrados mais experientes. (20)

A CF prevê o duplo grau de jurisdição, não somente no já referido art. 5º, LV, como também no seu art. 93, III (acesso aos tribunais de segundo grau). Em França, segundo Étienne Vergès, l´article préliminaire du Code de procédure pénale dispose in fine que ´toute personne condamnée a le droit de faire examiner sa condamnation par une autre juridiction‘ (21)

Há mais de 20 anos, o jurista baiano Calmon de Passos mostrava a sua preocupação com a tendência, bem visível entre nós, em virtude da grave crise que atinge o Judiciário, de se restringir a admissibilidade de recursos, de modo assistemático e simplório, em detrimento do que entendemos como garantia do devido processo legal, incluída entre as que são asseguradas pela nossa Constituição.

Neste mesmo trabalho, nota o eminente Mestre que o estudo do duplo grau como garantia constitucional desmereceu, da parte dos estudiosos, em nosso meio, considerações maiores. Ou ele é simplesmente negado como tal ou, embora considerado como ínsito ao sistema, fica sem fundamentação mais acurada, em que pese ao alto saber dos que o afirmam, certamente por força da larga admissibilidade dos recursos em nosso sistema processual, tradicionalmente, sem esquecer sua multiplicidade. (22)

Não esqueçamos que a adoção do duplo grau de jurisdição deixa de ser uma escolha eminentemente técnica e jurídica e passa a ser, num primeiro instante, uma opção política do legislador. (23)

O duplo grau de jurisdição tem caráter de norma materialmente constitucional, mormente porque o Brasil ratificou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) que prevê em seu art. 8º, 2, h, que todo acusado de delito tem direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior, e tendo-se em vista o estatuído no § 2º, do art. 5º, da CF/88, segundo o qual os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Ratificamos, também, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque que no seu art. 14, 5, estatui que toda pessoa declarada culpada por um delito terá o direito de recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância superior, em conformidade com a lei.

Assim, conclui-se que os arts. 607 e 608 do CPP, a par de serem normas processuais, inseriam-se também no âmbito do Direito Material por constituírem garantia ao duplo grau de jurisdição. Nestas condições, ditas normas não são puramente processuais (ou formais, técnicas), mas processuais penais materiais.

O jurista lusitano e Professor da Faculdade de Direito do Porto, Taipa de Carvalho, após afirmar que está em crescendo uma corrente que acolhe uma criteriosa perspectiva material - que distingue, dentro do direito processual penal, as normas processuais penais materiais das normas processuais formais, adverte que dentro de uma visão de hermenêutica teleológico-material determine-se que à sucessão de leis processuais penais materiais sejam aplicados o princípio da irretroactividade da lei desfavorável e o da retroactividade da lei favorável. (24)

Taipa de Carvalho explica que tais normas de natureza mista (designação também usada por ele), embora processuais, são também plenamente materiais ou substantivas. Para ele, constituem exemplos de normas processuais penais materiais, dentre outras, as que estabelecem graus de recurso, sendo a lei aplicável aquela vigente no tempus delicti, isto é, no momento da prática da conduta, independentemente do momento em que o resultado se produza. (25) (grifo nosso).

Informa, ainda, o mestre português que o alemão Klaus Tiedemann destaca a exigência metodológica e a importância prática da distinção das normas processuais em normas processuais meramente formais ou técnicas e normas processuais substancialmente materiais, o mesmo ocorrendo com o francês Georges Levasseur. (26)

Feitas tais considerações, lembra-se que la individualización de la ley penal más benigna deba hacerse en cada caso concreto, tal como ensina Eugenio Raul Zaffaroni. (27)

A propósito, veja-se a lição de Carlos Maximiliano:

Quanto aos institutos jurídicos de caráter misto, observam-se as regras atinentes ao critério indicado em espécie determinada. Sirva de exemplo a querela: direito de queixa é substantivo; processo da queixa é adjetivo; segundo uma e outra hipótese orienta-se a aplicação do Direito Intertemporal. O preceito sobre observância imediata refere-se a normas processuais no sentido próprio; não abrange casos de diplomas que, embora tenham feição formal, apresentam, entretanto, prevalentes os caracteres do Direito Penal Substantivo; nesta hipótese, predominam os postulados do Direito Transitório Material. (28)

Comentando a respeito das normas de caráter misto, assim já se pronunciou Rogério Lauria Tucci:

Daí porque deverão ser aplicadas, a propósito, consoante várias vezes também frisamos, e em face da conotação prevalecente de direito penal material das respectivas normas, as disposições legais mais favoráveis ao réu, ressalvando-se sempre, como em todos os sucessos ventilados, a possibilidade de temperança pelas regras de direito transitório, - estas excepcionais por natureza. (29)

Outra não é a opinião de Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho:

Se a norma processual contém dispositivo que, de alguma forma, limita direitos fundamentais do cidadão, materialmente assegurados, já não se pode defini-la como norma puramente processual, mas como norma processual com conteúdo material ou norma mista. Sendo assim, a ela se aplica a regra de direito intertemporal penal e não processual. (30)

6. Conclusão

Diante do exposto, entendemos que os dispositivos revogados e que tratavam da possibilidade do protesto por novo júri terão incidência em relação àqueles agentes que praticaram a infração penal anteriormente à entrada em vigor da nova lei, atentando-se para o disposto no art. 2º da LICPP e no art. 2º do Código Penal.

Ressalva-se, apenas, a coisa julgada como limite lógico e natural de tudo quanto foi dito, pois todas as medidas citadas exigem que haja processo em curso ou na iminência de ser iniciado. Se já houve o trânsito em julgado, não pode se cogitar de retroatividade para o seu desfazimento, pois neste caso já há um processo findo, além do que, contendo a norma caráter também processual, só poderia atingir processo não encerrado, ao contrário do que ocorreria se se tratasse de lei puramente penal (lex nova que, por exemplo, diminuísse a pena ou deixasse de considerar determinado fato como criminoso), hipóteses em que seria atingido, inclusive, o trânsito em julgado, por força do art. 2º, parágrafo único do CP 31.

Enfrentando esta questão, o STF decidiu que, tratando-se de normas de natureza processual, a exceção estabelecida por lei à regra geral contida no art. 2º do CPP não padece de vício de inconstitucionalidade. Contudo, as normas de direito penal que tenham conteúdo mais benéfico aos réus devem retroagir para beneficiá-los, à luz do que determina o art. 5º, XL da Constituição federal.
(STF – ADI 1.719-9 – rel. Joaquim Barbosa – j. 18.06.2007 – DJU 28.08.2007, p. 01).

Assim, como o crime supostamente praticado pelo casal Nardoni ocorreu no dia 29 de março de 2008, concluímos que ambos fazem jus ao Protesto por Novo Júri, ou seja, devem ser levados a novo julgamento pelo Tribunal Popular.

NOTAS

1 - A lei foi publicada no DOU do dia 10 de junho de 2008, entrando em vigor 60 dias depois de oficialmente publicada, na forma do art. 3º da mesma lei. Segundo o art. 8º da Lei Complementar nº 95, "A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua publicação" para as leis de pequena repercussão." Pelo seu § 1º "a contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral." (Grifo nosso).
2 - Período que abrange parte do governo de Getúlio Vargas (1937 – 1945) que encomendou ao jurista Francisco Campos uma nova Constituição, extra-parlamentar, revogando a então Constituição legitimamente outorgada ao País por uma Assembléia Nacional Constituinte (1934).
3 - FIORE, Pascuale. De la Irretroactividad e Interpretación de las Leyes. Madri: Reus, 1927, p. 579 (tradução do italiano para o espanhol de Enrique Aguilera de Paz).
4 - O Núcleo do Problema no Sistema Processual Penal Brasileiro. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo, n. 175, jun. 2007, p. 11.
5 - MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Campinas: Bookseller, 1998. v. I, p. 104.
6 - MARQUES, José Frederico, op. cit., p. 108.
7 - Comentando a respeito do Título que trata das nulidades no processo penal, Frederico Marques adverte que "não primou pela clareza o legislador pátrio, ao disciplinar o problema das nulidades processuais penais, pois os respectivos artigos estão prenhes de incongruências, repetições e regras obscuras, que tornam difícil a sistematização coerente de tão importante instituto. (...) Ainda aqui, dá-nos mostra o CPP dos grandes defeitos de técnica e falta de sistematização que pululam em todos os seus diversos preceitos e normas, tornando bem patente a sua tremenda mediocridade como diploma legislativo" (MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Campinas: Bookseller, 1998. v. II, p. 366-367).
8 - VITU, André. Procédure Pánale. Paris: Presses Universitaires de France, 1957, p. 13-14.
9 - GRINOVER, Ada Pallegrini. A reforma do Processo Penal. Disponível em: www.direitocriminal.com.br. Acesso em: 15 jan. 2001.
10 - MAIER, Julio B. J.; STRUENSEE, Eberhard. Las Reformas Procesales Penales en América Latina. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2000, p. 17.
11 - Norberto Bobbio assinala, muito a propósito, que "Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais" (A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 1).
12 - FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón. 3. ed. Madrid: Trotta, 1998, p. 604.
13 - Exposição de Motivos do Projeto de Código Processual Penal-Tipo para Ibero-América, com a colaboração dos Professores Ada Pellegrini Grinover e José Carlos Barbosa Moreira. Revista de Processo, São Paulo, n 61, 1991, p. 111.
14 - GRINOVER, Ada Pallegrini. A reforma do Processo Penal. Disponível em: www.direitocriminal.com.br. Acesso em: 15 jan. 2001.
15 - WALTER, Tonio, Professor da Universidade de Friburgo. Revista Penal - "Sistemas Penales Comparados", Salamanca, 1997, p. 133.
16 - Segundo Daniele Negri, da Universidade de Ferrara, "quizá nunca como en estos últimos cinco años había sufrido el procedimiento penal italiano transformaciones tan amplias, numerosas y frecuentes. (...) La finalidad de dotar de eficiencia a la Justicia se ha presentado como la auténtica meta de las innovaciones normativas que se han llevado a cabo en los últimos años (1997-2001)." Revista Penal- "Sistemas Penales Comparados", Salamanca, 1997, p. 157.
17 - Revista Penal - "Sistemas Penales Comparados", Salamanca, 1997, p. 164.
18 - Los Derechos Fundamentales. Madrid: Tecnos, 1993, p. 67.
19 - FRANCO, Alberto Silva. Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. 7. ed. SP: RT, 2001, p. 62.
20 - Condenado a seis anos de prisão por crimes contra a ordem tributária, um acusado teve Habeas Corpus (HC 88420) concedido pela 1ª. Turma do STF. Com a decisão, o réu poderá apelar da sentença mesmo não estando preso. Neste habeas, a defesa pedia ao STF que determinasse ao juízo da 2ª Vara Criminal Federal de Curitiba novo exame de admissibilidade do recurso de apelação, garantindo assim o direito ao duplo grau de jurisdição. Para o relator, Ministro Ricardo Lewandowski, a ação trata do confronto de dois preceitos legais. Por um lado, o DGJ (conforme artigo 8º, II, ‘h’, do Pacto de São José da Costa Rica – incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro por força do artigo 5º, parágrafo 2º da Constituição Federal). De outro lado, a exigência de recolher-se o réu condenado à prisão para que sua apelação seja processada (de acordo com artigo 594 do CPP). O que a defesa pretende é interpor em favor do réu, condenado em 1º grau, recurso de apelação, independentemente de seu recolhimento ao cárcere. Lewandowski afirmou considerar que o direito ao DGJ tem "estatura constitucional, ainda que a Carta Magna a ele não faça menção direta". Isso porque, prossegue o ministro, o due process of law, constante do artigo 5º, LXVI, contempla a possibilidade de revisão por tribunal superior de sentença proferida por juízo monocrático. Para ele, o ‘duplo grau’ deve prevalecer sobre o artigo 594 do CPP. Tal direito integra o sistema pátrio de direitos e garantias fundamentais, conforme decidido pelo Supremo na ADI 1675", confirmou. O relator ponderou que a incorporação desse direito foi posterior à edição do CPP (DL 689/41). Isso porque a ratificação pelo Brasil da Convenção Interamericana de Direitos Humanos (o Pacto de São José) foi em 1992. "Assim, qualquer disposição em contrário da lei processual encontra-se, senão revogada, ao menos substancialmente mitigada". Quanto ao habeas em julgamento, Lewandowski disse que "o reconhecimento ao duplo grau não infirma a legalidade da custódia cautelar decretada em desfavor do paciente, podendo ela subsistir independentemente de admitir-se o recurso". Assim, a Primeira Turma concedeu a ordem de habeas corpus, por unanimidade, seguindo o voto do relator, para que seja recebida a apelação do condenado, interposta perante a 2ª Vara Criminal de Curitiba nos autos da ação penal, sem prejuízo do cumprimento da ação preventiva contra ele decretada, caso persistam os motivos que a determinaram. Fonte: STF (17/04/2007).
21 - Procédure Pénale. Paris: LexisNexis Litec, 2005, p. 49.
22 - Estudos Jurídicos em Homenagem à Faculdade de Direito da Bahia, São Paulo: Saraiva, 1981, p. 88.
23 - MORAES, Maurício Zanoide de. Interesse e Legitimação para Recorrer no Processo Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 29.
24 - Sucessão de Leis Penais. Coimbra: Coimbra, p. 219-220.
25 - CARVALHO, Taipa de, op. cit., p. 220 e 240.
26 - Idem.
27 - Tratado de Derecho Penal. Parte General. Buenos Aires: Ediar, 1987. v I, p. 463- 464.
28 - Direito Intertemporal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955, p. 314.
29 - Direito Intertemporal e a Nova Codificação Processual Penal. SP: José Bushatsky, 1975, p. 124.
30 - O Processo Penal em Face da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 137.
31 - Neste sentido, a lição de Ada e outros, op. cit., p. 49.

* Rômulo de Andrade Moreira é Procurador-Geral de Justiça Adjunto na Bahia; Professor de Direito Processual Penal; Especialista em Processo.

Fonte: Editora Magister

Didático: em conflito de normas deve prevalecer a específica e mais recente


A 3.ª Turma do TRF da 1.ª Região conclui que há conflito aparente de normas e não concurso formal de delitos em processo no qual as provas apontam para 20 anos de extração de minério (ouro) no leito do Rio Madeira sem autorização dos órgãos competentes.

O juiz de 1.º grau condenou os autores às penas previstas para a prática de crime contra o meio ambiente (art. 55, caput, da Lei n.º 9.605/98) e contra a ordem econômica (art. 2.º, caput, da Lei n.º 8.176/91), em concurso formal.

De acordo com o magistrado Tourinho Neto a situação é de conflito de normas. No caso, deve o magistrado proceder à subsunção adequada e aplicar apenas um dos preceitos legais à conduta delituosa. A Lei 9.605/98, por ser posterior e regulamentar especificamente em relação à matéria, deverá prevalecer, cabendo, nesse ponto, a reforma da sentença.

Assim, não se pode também imputar aos autores o crime previsto no art. 2.º da Lei 8.176/1991, o de explorar matéria-prima pertencente à União Federal sem autorização legal, pois as normas em questão dispõem sobre o mesmo assunto, e a imputação aos acusados da prática de ambas as condutas ensejaria bis in idem.

Apelação Criminal 2008.41.00.001359-8/RO

Fonte: TRF 1ª Região

Dois prefeitos são condenados por crimes de responsabilidade


2ª Câmara Criminal do TJ/PI condena dois prefeitos por crimes de responsabilidade

Em sessão ordinária realizada nesta segunda-feira, 29/03, a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Piauí, presidida pelo Des. Sebastião Ribeiro Martins, tendo como membros efetivos os desembargadores Joaquim Dias de Santana Filho e Erivan José da Silva Lopes, condenou os prefeitos Ronaldo Campelo dos Santos, da Prefeitura Municipal de Curralinhos, e a ex-prefeita de Joca Marques e, atualmente Prefeita de Luzilândia, Janaína Pinto Marques de Meneses, por crimes de responsabilidade previstos no Decreto-Lei nº 201/67.

O Procurador de Justiça Antônio Ivan e Silva atuou na acusação junto à 2ª Câmara Criminal, requerendo, ao final, a condenação dos gestores municipais, cujas ações penais tramitavam há alguns anos no Tribunal de Justiça do Estado do Piauí.

Ronaldo Campelo dos Santos, foi condenado a 06 (seis anos) e 02 (dois) meses de reclusão, bem como à perda do cargo de Prefeito Municipal de Curralinhos, e à inabilitação pelo prazo de 05 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, e ainda a suspensão de direitos políticos e inelegibilidade.

A ex-Prefeita de Joca Marques, Janaína Pinto Marques de Meneses, foi condenada a 05 (cinco) anos de reclusão, e também à perda do cargo de Prefeita Municipal, bem como à inabilitação, pelo prazo de 05 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, e ainda a suspensão de direitos políticos e inelegibilidade, nos termos do Decreto-Lei nº 201/67, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público.

O Relator de ambos os processos foi o Des. Sebastião Ribeiro Martins. Os Prefeitos condenados pela 2ª Câmara Criminal do TJ-PI podem recorrer em liberdade ao Superior Tribunal de Justiça, em Brasília.

Fonte: TJ-PI

terça-feira, 30 de março de 2010

Pondo em prática: TJ/RS e TRE/RS assinam convênio que permitirá o voto de presos provisórios


O presidente do TJ/RS, desembargador Leo Lima, participou na tarde de ontem, 29/3, da solenidade de assinatura do convênio que permitirá o voto de cidadãos detidos sem condenação criminal definitiva nas eleições de outubro. O ato realizou-se no gabinete do presidente do TRE/RS, desembargador Sylvio Baptista Neto, com a presença de representantes de diversas instituições envolvidas no projeto.

O desembargador Leo Lima afirmou que a determinação de viabilizar o voto dos presos provisórios, de autoria do CNJ, teve uma experiência inédita no país a partir do Rio Grande do Sul em 2002. "É mais uma demonstração de pioneirismo e da vanguarda do Judiciário gaúcho em assuntos que envolvem a cidadania", afirmou.

O presidente do TJ destacou a união de diversas instituições, "numa prova inequívoca de que a cidadania deve ser preservada e estimulada". O presidente do TRE, Sylvio Baptista Neto, afirmou que o convênio viabilizará "a implementação de um direito em toda a sua plenitude". A juíza da Infância e da Juventude, Vera Deboni, destacou que a iniciativa permitirá que os jovens saibam que não foram esquecidos. "A determinação do CNJ demonstra que a iniciativa pioneira do nosso Estado estava correta", lembrou.

O convênio prevê a instalação de seções eleitorais nos estabelecimentos penais e nas unidades de internação de adolescentes em que haja condições de infraestrutura e segurança a todos os envolvidos no processo. A indicação destas pessoas será feita por indicação do TRE, a partir de listagens apresentadas pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) e pela Fundação de Atendimento Socioeducativo (FASE).

Participaram ainda da solenidade o diretor-geral do TJ, Omar Jacques Amorim; o vice-presidente e corregedor regional eleitoral, o desembargador Luiz Felipe Silveira Difini; o procurador regional eleitoral do RS, Carlos Augusto da Silva Cazarré; a procuradora-geral de Justiça, Simone Mariano da Rocha; a defensora pública-geral do Estado, Maria de Fátima Záchia Paludo; o secretário da segurança, Edson de Oliveira Goularte; o defensor público federal subchefe da Unidade de Porto Alegre, Lucas Aguilar Sette; a presidente da FASE, Irany Bernardes de Souza.

Fonte: Migalhas

Jurisprudência da semana

Habeas Corpus. Processual penal. Crime de competência do Tribunal do Júri. Excesso de linguagem reconhecido.

Supremo Tribunal Federal - STF
Coordenadoria de Análise de Jurisprudência
DJe nº 27 Divulgação 11/02/2010 Publicação 12/02/2010
Ementário n° 2389 - 2
01/12/2009 PRIMEIRA TURMA
HABEAS CORPOS 94.731 MATO GROSSO
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
PACTE.(S): MANOEL JOÃO MARQUES OU MANOEL JOÃO MARQUES RODRIGUES
IMPTE.(S): ULISSES RABANEDA DOS SANTOS
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

EMENTA

Habeas corpus. Processual penal. Crime de competência do Tribunal do Júri. Excesso de linguagem reconhecido. Desnecessidade de anulação do julgamento, sendo suficiente o desentranhamento do acórdão no qual foram proferidas as expressões extravagantes. Precedente.

1. O acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, ao conceder parcialmente a ordem para reconhecer o excesso de linguagem e vedar sua utilização na sessão de julgamento, não divergiu da orientação desta Suprema Corte, firmada no sentido de que, "(. ..) dada a necessidade de comprovação de prejuízo concreto (...), não há nulidade, sequer em tese, a ser declarada" (HC nº 89.088/PR, Primeira Turma, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 19.12.06), se os jurados não tiverem acesso à pronúncia ou ao acórdão que a confirmou. 2. Habeas corpus denegado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Sr. Ministro Carlos Britto, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em indeferir o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 1º de dezembro de 2009.

MINISTRO DIAS TOFFOLI
Relator

01/12/2009 PRIMEIRA TURMA
HABEAS CORPUS 94.731 MATO GROSSO
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
PACTE.(S): MANOEL JOÃO MARQUES OU MANOEL JOÃO MARQUES RODRIGUES
IMPTE.(S): ULISSES RABANEDA DOS SANTOS
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO DIAS TOFFOLI:

Habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pelo advogado Ulisses Rabaneda dos Santos em favor de Manoel João Marques, buscando que seja anulado o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso em razão de ter "invadido a competência do Tribunal do Júri, pois de forma velada condena o paciente, usando de grave excesso de linguagem"(fl. 3).

Aponta como autoridade coatora a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça que, no julgamento do HC nº 85.691/MT, Relatora a Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, concedeu parcialmente a ordem para reconhecer o excesso de linguagem e vedar a sua utilização na sessão de julgamento, certificando-se nos autos apenas o resultado do julgamento da apelação. Também concedida a ordem, de ofício, para declarar a extinção da punibilidade do ora paciente no tocante ao crime de lesões corporais, em virtude da ocorrência de prescrição. Confira-se a ementa desse julgado:

"PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. JÚRI. 1. VEREDICTO DO CONSELHO DE SENTENÇA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO. RECURSO DE APELAÇÃO. ANULAÇÃO DO VEREDICTO. PROVA MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. EXCESSO DE LINGUAGEM. OCORRÊNCIA. INFLUÊNCIA PERNICIOSA NA DECISÃO SOBERANA DOS JURADOS. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA EM PARTE. 2 LESÕES CORPORAIS. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 3. ORDEM CONCEDIDA.

1. O acórdão que julga manifestamente contrária à prova dos autos a decisão proferida pelos jurados, remetendo o réu a novo julgamento, não pode se exceder de modo a prejulgá-lo, afastando categoricamente a versão do acusado e afirmando a ocorrência de dolo eventual, a pretexto de analisar o acervo probatório.

2. Impõe-se o reconhecimento da prescrição relativamente ao crime de lesões corporais, nos termos do artigo 109, V, do Código Penal, considerada a pena abstratamente cominada ao delito em questão.

3. Ordem concedida, em parte, para, reconhecido o excesso de linguagem, determinar o desentranhamento do presto atacado dos autos da ação penal, bem assim a sua colocação em envelope lacrado, vedada a sua utilização na sessão de julgamento, certificando-se, todavia, nos autos, o resultado do julgamento da apelação. Ordem concedida, ainda, de ofício, para declarar extinta a punibilidade do paciente com relação ao crime de lesões corporais, diante da ocorrência de prescrição" (fl. 26).

Alega o impetrante que:

"(...)

O paciente foi denunciado na comarca de Alta Floresta/MT, em junho de 1988, acusado de ter cometido o crime descrito no Art. 121 caput do Código Penal (Doc. 01).

Instruído o feito, o paciente foi pronunciado (Doc. 02), sendo que, desta decisão, recorreu em sentido estrito a defesa.

O Recurso acima descrito não foi conhecido pelo Tribunal de Justiça Estadual, conforme se verifica do acórdão acostado como Doc. 03.

Posteriormente, foi o paciente levado a julgamento em Plenário do Júri, sendo que o Conselho de Sentença desclassificou a conduta para homicídio culposo, conforme se verifica da documentação anexa como Doc. 04.

Em plenário, o juiz, condenando o paciente a uma pena de 01 ano de detenção, reconheceu a ocorrência da Prescrição da Pretensão Punitiva.

Contra tal decisão, apelou o Ministério Público.

Apresentadas as razões e contra-razões do apelo, foi o recurso Ministerial Provido pela 1 á Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, mandando o réu a novo julgamento (Doc. 05)

A tese para a reforma da decisão de primeira instância foi a de que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos.

Ocorre, i. Ministro, que no julgamento da apelação ministerial o TJ/MT invadiu a competência do Tribunal do Júri, pois de forma velada condena o paciente, usando de grave excesso de linguagem.

Por estas razões, impetrou-se no STJ o Habeas Corpus 85691, relatado pela Ministra Maria Thereza Rocha de Assis e Moura.

No julgamento do Habeas Corpus perante o STJ, aquela corte de Justiça entendeu que o TJ/MT cometeu excesso de linguagem (...)

.........................................................................

(...) ao invés de anular o julgamento do recurso e determinar que o TJ/MT proferisse outro acórdão sem os excessos, determinou que a decisão fosse desentranhada dos autos, apenas isto.

É este o ato atacado neste habeas" (fls. 314 - grifos no original).

Para fundamentar o pedido de liminar, sustenta que "a sessão de julgamento do paciente está prestes a ser designada na origem, demonstrando o perigo na demora" (fl. 10) e que, "a fumaça do bom direito reside nas jurisprudências colacionadas bem como na própria decisão do STJ, que reconheceu a mácula no acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso" (fl. 10).

Ao final, requer que seja deferida a liminar para suspender "o processo na origem, sustando a realização de julgamento do paciente pelo júri até final julgamento do presente writ" (fl. 10). No mérito, pede a concessão da ordem "a fim de que, reformando parcialmente a decisão do STJ, seja efetivamente anulado o acórdão do TJ/MT que mandou o paciente a novo julgamento, determinando-se Que outro sela proferido, respeitando-se os limites de linguagem estabelecidos" (fl. 11 - grifos no original).

O Ministro Menezes Direito, então Relator, indeferiu o pedido de liminar e solicitou informações ao Juízo do Tribunal do Júri da Comarca de Alta Floresta/MT sobre a ocorrência ou não da sessão de julgamento designada para o dia 27.3.08 (fls. 104 a 107).

Em 11.6.08, aquele Juízo informou que não houve o julgamento pelos motivos que expôs (fl. 114).

4 Ministério Público Federai, pelo parecer da ilustre Subprocuradora Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio Marques, manifestou-se pela denegação da ordem (fls. 117 a 125).

Em consulta ao sítio do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, verifiquei que o julgamento do paciente pelo Tribunal do Júri foi designado para o dia 11.12.09 (documento anexo).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO DIAS TOFFOLI:

Conforme relatado, o presente habeas corpus volta-se contra acórdão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça que no julgamento do HC nº 85.691/MT, Relatora a Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura, concedeu parcialmente a ordem para reconhecer o excesso de linguagem e vedar a sua utilização na sessão de julgamento, certificando nos autos apenas o resultado do julgamento da apelação. A ordem foi também concedida, de ofício, para declarar extinção da punibilidade do ora paciente no tocante ao crime de lesões corporais, em virtude da ocorrência de prescrição

Nesta ação, o impetrante busca a anulação do julgado proferido pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso na apelação do paciente, em razão de ter invadido "a competência do Tribunal do Júri, pois de forma velada condena o paciente, usando de grave excesso de linguagem" (fl. 3).

A ordem deve ser denegada.

Tem-se nos autos que o paciente foi denunciado pelos crimes de homicídio praticado contra sua esposa (art. 121, caput, c/c art. 61, inc. II, alínea "e", do CP) e lesão corporal (art. 129, caput, do CP), em concurso de agentes (art. 29 do CP). Após a instrução do feito, foi ele pronunciado pelos crimes acima referidos.

Submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, o Conselho de Sentença desclassificou a conduta para homicídio culposo, sendo o paciente condenado a 1 ano de detenção. Em favor do paciente, quando da aplicação da pena, foi reconhecida a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva.

Contra tal decisão, o Ministério Público estadual interpôs apelação, visando anular a decisão do Conselho de Sentença, sob o fundamento de que estaria em desconformidade com a prova dos autos. A apelação foi provida, conforme os termos abaixo:

"(...)

A tese sustentada pela defesa foi a de que o réu praticou o crime de homicídio na forma culposa, posto que não desejava na oportunidade a morte da vítima, mas, apenas, agredi-ia, que o evento se verificou por imprudência no manejo da arma que disparou acidentalmente, tese que foi acatada pelo egrégio Conselho de Sentença.

Entretanto, a acurada análise dos elementos coligidos aos autos evidenciam o desacerto da decisão, pois, seguramente, denota-se, no mínimo, a existência do dolo eventual na conduta do apelado.

Entre os aspectos que antecederam o crime e que devem ser ressaltados, figura o fato de que o réu foi até a casa do amante de sua esposa, ouviu as vozes dela e dele juntos no quarto, e, numa calma inusitada, voltou para sua casa, pegou a arma, passou na casa dos cunhados, e voltou com eles no local em que se encontrava a esposa. Ora, se a sua intenção era apenas a de flagrar a esposa adúltera, poderia tê-lo feito na primeira ocasião que se dirigiu até a casa de Miguel e teve a certeza de que ela lá se encontrava, mas não, preferiu voltar para que pudesse retornar levando consigo a arma de fogo que utilizaria no crime.

No trajeto até a casa de Miguel os irmãos de Verônica solicitaram várias vezes ao réu que lhes entregasse a arma de fogo, porém, este negou-se peremptoriamente a entregá-la, atitude que já deixava transparecer o seu desígnio. Lá chegando; Horácio, começou a chamar sua irmã pelo nome, pedindo o réu, contudo, que ele parasse e, ao invés disto, arrombassem a porta, pois queria flagrar Verônica e Miguel.

Sob o aspecto da prova técnica, lamentavelmente, os elementos dos autos deixam a desejar.

Ainda assim, colhe-se no laudo de fls. 44-TJ, que existiam resíduos de sangue humano na parte externa da arma, localizados na parte lateral da mira e parte frontal da mesma, também, na parte interna do cano da mesma, não se constatando, porém, a presença de sangue humano na coronha da arma.

A ausência de sangue humano na coronha faz cair por terra a afirmação de agressão a coronhadas, ademais, se ele tivesse batendo com a coronha necessariamente o disparo acidental teria sido ou para cima ou para baixo, nunca atingindo a cabeça da vítima de cima para baixo (fls. 16/17-TJ).

Em plenário, o Cabo Moacyr Silva, que apreendeu a arma de fogo, declarou que manobrou a arma para ver se a mesma estava travada e não viu qualquer cápsula deflagrada no cano da mesma, que a arma era automática e de calibre 7.65, que quando se aciona o gatilho de tal tipo de arma, a tendência é que este ejete para fora do tambor a cápsula deflagrada (fls. 329 - TJ).

Assim, vê-se que a decisão não encontra qualquer amparo na prova que demonstre de forma inequívoca que, embora o réu pudesse não desejar a morte da vítima, em virtude de agressão com arma de fogo carregada, assumiu claramente o risco de produzir o resultado morte.

O procedimento delituoso do réu, culminando com um tiro fatal na vítima nas condições já relatadas, data vênia, reveste-se de dolo eventual.

Ad argumentadum tantum, assiste razão ao apelante quanto a matéria argüida em preliminar referente à impossibilidade do reconhecimento da incidência da prescrição retroativa na própria sentença condenatória, que reclama, ex vi do disposto no artigo 110, § 1º do Código Penal, o trânsito em julgado para a acusação" (fls. 81 a 84).

Foi, então, impetrado habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça com o objetivo de anular o julgado proferido pela Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, em virtude do excesso de linguagem presente no acórdão, o que poderia ser uma influência negativa sobre a decisão dos jurados.

A Sexta Turma daquela Corte concedeu parcialmente a ordem para reconhecer o excesso de linguagem e vedar a sua utilização na sessão de julgamento, bem como para declarar extinta a punibilidade do paciente relativamente aos crimes de lesões corporais.

A decisão ora questionada tem a seguinte ementa:

"PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. JÚRI. 1. VEREDICTO DO CONSELHO DE SENTENÇA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO. RECURSO DE APELAÇÃO. ANULAÇÃO DO VEREDICTO. PROVA MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA A PROVA DOS AUTOS. EXCESSO DE LINGUAGEM. OCORRÊNCIA. INFLUÊNCIA PERNICIOSA NA DECISÃO SOBERANA DOS JURADOS. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA EM PARTE 2. LESÕES CORPORAIS. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA DE OFICIO. 3. ORDEM CONCEDIDA.

1. O acórdão que julga manifestamente contrária á prova dos autos a decisão proferida pelos jurados, remetendo o réu a novo julgamento, não pode se exceder de modo a prejulgá-lo, afastando categoricamente a versão do acusado e afirmando a ocorrência de dolo eventual, a pretexto de analisar o acervo probatório.

2. Impõe-se o reconhecimento da prescrição relativamente ao crime de lesões corporais, nos termos do artigo 109, V, do Código Penal, considerada a pena abstratamente cominada ao delito em questão.

3. Ordem concedida, em parte, para, reconhecido o excesso de linguagem, determinar o desentranhamento do aresto atacado dos autos da ação penal, bem assim a sua colocação em envelope lacrado, vedada a sua utilização na sessão de julgamento, certificando-se, todavia, nos autos, o resultado do julgamento da apelação. Ordem concedida, ainda, de ofício, para declarar extinta a punibilidade do paciente com relação ao crime de lesões corporais, diante da ocorrência de prescrição" (fl. 18).

O acórdão proferido. pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC nº 85.691/MT, ao conceder parcialmente a ordem para reconhecer o excesso de linguagem e vedar sua utilização na sessão de julgamento, não divergiu da orientação dessa Suprema Corte firmada no sentido de que, "(...) dada a necessidade de comprovação de prejuízo concreto (...), não há nulidade, sequer em tese, a ser declarada" (HC nº 89.088/PR, Primeira Turma, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 1º.12.06). Afastado, assim, o fumus boni iuris.

Importante ressaltar, ainda, os aspectos considerados pelo Ministério Público Federal, que se manifestou pela denegação da ordem nos seguintes termos:

"(...)

16. A pretensão, entretanto, não merece ser acolhida. É que a decisão do Tribunal de determinar o desentranhamento da decisão e a sua colocação em envelope lacrado, atendeu à pretensão do réu de impedir que os jurados sejam influenciados em sua decisão pelas conclusões tomadas pelo Tribunal de Justiça no julgamento da apelação.

17. Não há, assim, prejuízo algum ao paciente. Este deverá ser submetido a novo julgamento, sem que os jurados tenham acesso aos motivos que embasaram o julgamento da apelação.

18. A pretensão da defesa de que o Tribunal profira novo julgamento da apelação tem por objetivo apenas protelar o julgamento do paciente pelo Tribunal do Júri, conduzindo-o à prescrição. Cabe lembrar que o fato atribuído ao paciente ocorreu em 1988.

19. É relevante anotar que um novo julgamento que venha a ser proferido pelo Tribunal de Justiça não trará ao paciente nenhum outro benefício, pois o Tribunal se limitará a repetir o julgamento anterior, determinando a submissão do paciente a novo júri, apenas cuidando em não externar um juízo que possa influir sobre a decisão dos jurados.

20. Nesse contexto, o desentranhamento da decisão e a sua colocação em um envelope lacrado atendeu à mesma finalidade, não havendo razão para que o Tribunal renove o julgamento da apelação.

21. Finalmente, registre-se que por contato telefônico feito ao Juízo da Quinta Vara da Comarca de Alta Floresta atestou-se que o julgamento do paciente, marcado para o dia 27.03.2008, ainda não foi realizado" (fls. 124/125).

Ante o exposto, e considerando o parecer do Ministério Público Federal,

denego a ordem de habeas corpus.

01/12/2009 PRIMEIRA TURMA
HABEAS CORPUS 94.731 MATO GROSSO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - Presidente, tem-se sinalização de que o Tribunal de Justiça substitui-se ao corpo de jurados. Essa sinalização está, com todas as letras, na proibição de divulgação aos jurados do acórdão que implicou a determinação de ser realizado novo júri. É uma peça proibida.

Então, há algo equivocado. O que tivemos na espécie? Vou ler a fundamentação do acórdão do Tribunal de Justiça. Perante o corpo de jurados, surgiram duas teses: uma no sentido da existência do dolo - crime doloso contra a vida - e outra no sentido da forma culposa do homicídio.

E os jurados, independentes nesse crivo, concluíram pela prevalência da tese do homicídio culposo. Vejam os colegas os fundamentos na substituição que apontei - essa substituição foi implicitamente admitida pelo Superior Tribunal de Justiça, no que proibiu a revelação desse acórdão ao corpo de jurados:

"A tese sustentada pela defesa foi a de que o réu praticou o crime de homicídio na forma culposa, posto que não desejava na oportunidade a morte da vítima, mas apenas, agredi-la, que o evento se verificou por imprudência no manejo da arma que disparou acidentalmente, tese que foi acatada pelo egrégio Conselho de Sentença.

Entretanto, a curada análise dos elementos coligidos aos autos evidenciam o desacerto da decisão, pois, seguramente, denota-se, no mínimo, a existência do dolo eventual na conduta do apelado.

Entre os aspectos que antecederam o crime e que devem ser ressaltados figura o fato de que o réu foi até a casa do amante de sua esposa, ouviu as vozes dela e dele juntos no quarto, e numa calma inusitada - voltou para sua casa, pegou a arma, passou na casa dos cunhados - voltou com eles ao local em que se encontrava a esposa."

Certamente, ele não queria testemunhas. Não iria querer testemunhas, principalmente os irmãos da vítima, do crime doloso a ser praticado, o homicídio.

" Ora, se a sua intenção era apenas a de flagrar a esposa adúltera, poderia tê-lo feito na primeira ocasião que se dirigiu até a casa de Miguel e teve a certeza de que ela lá se encontrava, mas não, preferiu voltar para que pudesse retornar levando consigo a arma de fogo que utilizaria no crime.

No trajeto até a casa de Miguel os irmãos de Verônica solicitaram várias vezes ao réu que lhes entregasse a arma de fogo, porém este negou-se peremptoriamente a entregá-la, atitude que já deixava transparecer o seu desígnio. Lá chegando, Horácio, começou a chamar sua irmã pelo nome, pedindo o réu, contudo, que ele parasse e, ao invés disto, arrombassem a porta, pois queria flagrar, com o testemunho dos irmãos, Verônica e Miguel.

Sob o aspecto da prova técnica, lamentavelmente, os elementos dos autos deixam a desejar, ainda assim colhe-se, no laudo de folha, que..."

Leio apenas para mostrar que a situação mostrou-se ambígua e o corpo de jurados, na independência preconizada pela Carta, concluiu de uma forma.

"... existiam resíduos de sangue humano na parte externa da arma localizados na parte lateral da mira e parte frontal da mesma, também, na parte interna do cano da mesma, não se constatando, porém, a presença de sangue humano na coronha da arma.

A ausência de sangue humano na coronha faz cair por terra a afirmação de agressão à coronhadas, ademais, se ele estivesse batendo com a coronha necessariamente o disparo acidental teria sido ou para cima ou para baixo ..."

Quer dizer, uma situação realmente ambígua e houve a opção pelo corpo de jurados.

"Em Plenário, o Cabo Moacyr Silva, que .apreendeu a arma de fogo, declarou que manobrou a arma para ver se a mesma estava travada e não viu qualquer cápsula deflagrada no cano da mesma, que a arma era automática de calibre 7.65, que quando se aciona o gatilho de tal tipo de arma, a tendência é que este ejete para fora do tambor a cápsula deflagrada.

Assim, vê-se que a decisão não encontra qualquer amparo na prova, que demonstra de forma inequívoca que, embora o réu pudesse não desejar a morte da vítima, em virtude de agressão com arma de fogo carregada assumiu claramente o risco de produzir o resultado morte.

o procedimento delituoso do réu, culminando com um tiro fatal na vitima nas condições já relatadas, data vênia, reveste-se de dolo eventual.

Ad argumentadtam tantum, assiste razão ao apelante quanto à matéria argüida em preliminar referente à impossibilidade de reconhecimento da incidência da prescrição retroativa na própria sentença condenatória,"...

Presidente, a decisão manifestamente contrária à prova dos autos não coabita o mesmo teto das premissas lançadas pelo Tribunal de Justiça. Houve, pelo Tribunal de Justiça, uma opção que é dada pela Carta da República não a ele, Tribunal de Justiça. Por isso, o recurso contra decisão do Tribunal do Júri é limitado.

Tenho sustentado, Presidente, que há de se conferir alguma valia â intangibilidade do veredicto dos jurados, tal como prevista na Constituição Federal, e que situações em que se assenta ser a decisão manifestamente contrária à prova dos autos revelam exceções maiores.

Por isso, Presidente, até mesmo considerando, repito, a proibição do Superior Tribunal de Justiça de se mostrar esse acórdão ao corpo de jurados, peço vênia para conceder a ordem e declarar subsistente o veredito.

01/12/2009 PRIMEIRA TURMA
HABEAS CORPUS 94.731 MATO GROSSO

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE)Ministro Marco Aurélio, eu tenho na Medida Cautelar em Habeas Corpus 94.730, Mato Grosso do Sul, uma decisão na linha do "voto de Vossa Excelência.

Eu vou ler um trecho do meu voto, então proferido. Ali também se colocava em confronto, em estado de fricção a soberania e o duplo grau de jurisdição ou o recurso para uma segunda instância, e eu disse:

"Esse reconhecimento do direito ao duplo grau de jurisdição nas causas de competência do.Tribunal do Júri não constituí, porém, licença aos nossos Tribunais de Justiça para a inversão do resultado do julgamento, sempre que prevalecer a tese defensiva. O exame constitucional do tema, a meu sentir, exige do intérprete da norma a calibração de valores constitucionais da mais alta grandeza - soberania do veredicto do Tribunal do Júri e duplo grau de jurisdição - de modo a encontrar, em cada situação concreta, os limites da revisão das decisões do Tribunal do Júri. Na busca por critérios de definição de tais limites, a doutrina processual penal assentou o entendimento de que se a decisão popular está embalada em algumas das versões fáticas postas em julgamento, não há fundamentação idônea para a sua revisão. Critério esse também perfilhado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, verbis:

"EMENTA. HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. JÚRI. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA Â PROVA DOS AUTOS (CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ART. 593, III, D). INOCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Decisão dos jurados, os quais, após apreciarem as teses esposadas em Plenário, optam pela absolvição do réu. 2. Se a decisão dos jurados estiver apoiada em algum elemento probatório, não há falar-se em decisão manifestamente contrária á prova dos autos. 3. Ordem concedida, para anular o acórdão do Tribunal Regional da 30 Região que reformara a sentença absolutória. (HC 83.691, Relator ministro Joaquim garbosa)"

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Presidente, vossa Excelência me permite um pequeníssimo aparte?

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - Pois não!

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Interessantemente, eu aqui vendo os autos, verifico que na inicial deste HC, o impetrante pede seja anulado o julgamento do TJ de Mato Grosso, para que outro julgamento seja proferido.

E como bem observou no caso aqui o Ministério Público em seu parecer, o que ocorrerá muito provavelmente? O Tribunal repetirá o julgamento que fez, ou seja, anulando a decisão do júri, eventualmente sem esses excessos de linguagem que o STJ procurou então delimitar, enfim permitir.

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR): O júri está marcado para o dia 11 agora, semana que vem.

O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - O Ministério Público aqui lembra que ocorrerá provavelmente isto. O Tribunal repetirá sua decisão; então haverá certamente um novo júri. O que vai acontecer? Segundo alvitra o ministério Público Federal possivelmente ocorrerá a prescrição, porque o crime atribuído ao paciente ocorreu em 1988.

De maneira que este é o quadro. Com a decisão do STJ, justificando o meu voto que foi muito sucinto, nenhum prejuízo sofrerá o paciente, porque realmente o julgamento será anulado, será refeito o julgamento pelo júri e os jurados não terão conhecimento desse detalhamento das provas que foi feito pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso. Apenas isso. Claro que não querendo, evidentemente, influenciar o juízo de vossa Excelência - sempre bem fundamentado - apenas para justificar o meu voto.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - De qualquer sorte, o resultado do julgamento aqui, nesta primeira Turma ,já se desenha a três votos pela denegação e dois votos.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - É muito sintomático que o marido passe na casa dos irmãos da vitima, seja por eles acompanhado, peça que arrombem a porta para o flagrante do adultério e tenha a intenção, mesmo assim, de matá-la. Foi esse o quadro com o qual se defrontou o corpo de jurados.

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI (RELATOR): Ministro marco Aurélio, tem certas culturas que, infelizmente, hoje, em pleno Século XXI, a própria família da mulher rechaça a mulher que traiu. Eu acho que está no momento de nós termos uma postura mais rigorosa.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO - No Brasil, ainda vinga a solidariedade dos consangüíneos, o que não ocorre em outros países, onde a adúltera é, até mesmo, apedrejada pelos próprios parentes.

O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO (PRESIDENTE) - É o que se chamava de lapidação.

Bem, vou perfilhar o entendimento do Ministro Marco Aurélio fiel a esse voto que já proferi, no HC nº 94.730.

PRIMEIRA TURMA
EXTRATO DE ATA
HABEAS CORPUS 94.731
PROCED.: MATO GROSSO
RELATOR: MIN. DIAS TOFFOLI
PACTE.(S): MANOEL JOÃO MARQUES OU MANOEL JOÃO MARQUES RODRIGUES
IMPTE.(S): ULISSES RABANEDA DOS SANTOS
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão: Por maioria de votos, a Turma indeferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator; vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Ayres Britto, Presidente. 1ª Turma, 01.12.2009.

Presidência do Ministro Carlos Ayres Britto. Presentes à Sessão os Ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, a Ministra Cármen Lúcia e o Ministro Dias Toffoli.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Wagner de Castro Mathias Netto.

Ricardo Dias Duarte
Coordenador

Fonte: STF

Juiz pune o Estado e diz que o crack é um problema de saúde pública


Juiz determina que Estado pague tratamento de menor envolvido com crack

O Juiz de Direito da Comarca de São Cristóvão, Manoel Costa Neto, julgou procedente, no último dia 18.03, o procedimento de verificação de situação de risco de menor, solicitado pelo Ministério Público Estadual para que o jovem M.R.C.S receba tratamento, custeado pelo Estado, para desintoxicação de drogas em instituição especializada particular. O magistrado acatou os pedidos reconhecendo a situação de risco do adolescente e determinou que o Estado, no prazo de 10 dias, pague o tratamento do menor pelo Projeto Grande Síntese, no município de Neópolis, pelo tempo que se fizer necessário para o seu restabelecimento, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 5 mil contra o Secretário de Saúde, em caso de descumprimento.

Segundo o juiz, tramitam em média na vara cível de São Cristóvão, 180 processos de menores envolvidos com drogas, sendo 90% destes com relação ao crack. "O problema do crack em São Cristóvão é questão de saúde pública", informa com preocupação o magistrado.

O magistrado, na decisão, afirma que quando na hipótese de omissão do Executivo na implementação de políticas públicas, deve e pode o Judiciário agir para forçá-lo a cumprir o seu dever constitucional. "Não existe no município uma instituição especializada para a recuperação desses menores. Há promessas e nada é posto em prática. Da mesma forma, o tratamento disponibilizado pelo Estado é ineficaz. Por isso, a única alternativa para o tratamento desse jovem é o encaminhamento a uma instituição particular".

Ainda na fundamentação do seu entendimento, o juiz afirma que demonstrada a urgente necessidade de tratamento do menor cabe ao Poder Judiciário apenas cumprir seu papel de viabilizar o implemento de todos os meios para que seja preservado seu direito maior que é o direito à vida. "Determinar que o Estado custeie o tratamento do menor significa salvar uma vida. Além do mais a quantia a ser paga, nesse tratamento pelo Estado, é irrisória", comenta Costa Neto

Ao comentar o problema das drogas, principalmente, em relação ao crack em São Cristóvão, o magistrado comenta que o problema tem origem na desestruturação da família. "Os pais não impõem limites aos filhos. São verdadeiros órfãos de pais vivos. O crack é a forma que esses jovens encontram para fugir da realidade", lembra o juiz indicando que se o Poder Público não tomar providências urgentes haverá uma onda de óbitos em série de jovens, pois a expectativa de vida do usuário de crack é de apenas 01 (um) ano, ou a formação de um "exército" de adultos com sérios problemas mentais.

Com o intuito de atuar na causa do problema, ou seja, na reestruturação da família, o magistrado falou sobre o lançamento, pelo Judiciário, do Programa Família Legal, em São Cristóvão, que tem como objetivo conscientizar, através de palestras, cursos e seminários sobre a importância da família para a sociedade. "Se as famílias não se reestruturarem não haverá polícia que dê conta, pois ela trabalha em progressão aritmética e o problema da droga cresce em progressão geométrica", finaliza o magistrado.

Fonte: TJ-SE

Recurso por pena máxima


O Ministério Público Estadual (MPE) entra nesta segunda-feira à tarde, no Tribunal de Justiça (TJ) de Mato Grosso, com a apelação para redimensionar a pena para o máximo legal sentenciada ao pedreiro Edson Alves Delfino, condenado a 35 anos e três meses de prisão pelo estupro e assassinato do menino Kaytto Guilherme Pinto, aos 10 anos de idade. A pena máxima é de 46 anos.

No entendimento do promotor criminal João Augusto Veras Gadelha, que atuou no julgamento, pedir a pena máxima para o maníaco é o mínimo que o MPE pode fazer pela memória do menino que,
“na sua inocência, caiu na mão de um pedófilo que o violentou para satisfazer os seus instintos bestiais. O menino, com medo de morrer, aceitou. Ainda usou a cueca do menino para fazer um torniquete e o matou”.

O representante do MPE lembrou que a pena é alta, acima do mínimo, mas a máxima é necessária para que isso sirva como exemplo e, também para que “a alma do menino descanse em paz”. Gadelha lembrou que nunca foi adepto da pena máxima, mas, neste caso, é fundamental que ela seja aplicada. Com 19 anos de atuação em crimes contra a vida (homicídio e tentativas), o promotor disse ter ficado chocado com o relato do maníaco, que descreveu com detalhes como estuprou e matou o menino Kaytto.
“O que mais nos deixou perplexo é que se trata de uma criança”.

Edson foi julgado pelo Tribunal do Júri da Comarca de Cuiabá, na última quinta-feira. Além da pena pelo crime de atentado violento ao pudor, ele foi condenado por homicídio qualificado e ocultação de cadáver. A sentença foi dada após mais de 12 horas de julgamento, após interrogatório de testemunhas e do próprio réu e o debate entre defesa e acusação em torno da condição mental de Delfino.

Em seu depoimento, o maníaco alegou que, antes do dia 13 de abril de 2009, esteve poucas vezes na companhia de Kaytto. Ele trabalhou como servente de pedreiro no condomínio da família, no Residencial Paiaguás, e como pintor no escritório de Jorgemar, pai da vítima.

Relatou que chegou inclusive a almoçar na casa da família, mas ainda assim esteve poucas vezes com o menino, de quem desconhecia o hábito de tomar ônibus para ir à escola em alguns dias da semana e por quem a atração sexual não foi imediata.

Por se tratar de julgamento de um réu-confesso, as partes tiveram apenas um único assunto a debater: a condição mental de Delfino. Enquanto a defesa tentava argumentar a inimputabilidade do réu por conta de distúrbios mentais, a acusação negava a existência de qualquer transtorno que impedisse o maníaco de ter consciência plena de seus atos. Edson está preso na Penitenciária Central do Estado (antiga Pascoal Ramos).

Cumprimento - Caso seja aplicada a pena máxima de 46 anos, o pedreiro Edson Delfino deverá cumprir quase a totalidade de 30 anos – o máximo que a lei permite que um preso fique em regime fechado. A nova lei da progressão de pena para crimes hediondos prevê dois quintos para réu primário e três quintos para reincidentes. Com a pena de 46 anos, deverá ficar encarcerado 27 anos. Caso a condenação seja mantida em 35 anos, ele ficará preso somente 21 anos.

Segundo um advogado criminalista consultado pela reportagem, Edson ainda tem mais seis dos 46 anos para cumprir. “Somados, são 33 anos, acima dos 30 legais permitidos”, observou. O advogado lembrou que são poucos casos de cumprimento total da pena. Um dos casos mais célebres é do João Acácio Pereira da Costa, conhecido como “o bandido da luz vermelha”, acusado de quatro assassinatos, sete tentativas de homicídio e 77 assaltos, condenado a 351 anos de prisão, em São Paulo.

Fonte: TJ-MT

Falso testemunho em audiência judicial resulta em prisão em flagrante

Uma testemunha de processo criminal em tramitação na Comarca de Santa Rosa do Sul foi presa em flagrante por falso testemunho na tarde de ontem (29/03). Segundo o juiz Fabiano Antunes da Silva, que presidia a audiência, o rapaz - usuário de entorpecentes – havia testemunhado na fase policial ter adquirido “crack” de um dos acusados por diversas vezes.

Defronte ao magistrado, contudo, a testemunha alterou seu depoimento e disse ter sofrido brutais agressões por parte dos policiais para sustentar tal versão. Disse que as agressões foram tamanhas que chegou a ficar sem trabalhar por uma semana, recolhido em casa, no tratamento dos ferimentos.

Contudo, indagado se havia buscado atendimento médico, adquirido remédio por conta própria ou apresentado atestado médico para justificar suas faltas no serviço, o rapaz limitou-se a dizer que não. Tampouco denunciou as agressões ao Judiciário ou ao Ministério Público por conta, garantiu, de medo de represálias.

“Assim, ante a ausência de verossimilhança das alegações prestadas em juízo, em total discrepância com as alegações prestadas anteriormente, acabou preso por falso testemunho”, resumiu o juiz. O rapaz foi conduzido à delegacia local para a lavratura do auto de prisão em flagrante. (Autos 18910000062-0).

Fonte: TJSC

segunda-feira, 29 de março de 2010

Adultério não é crime e ser corno não é pena, mas cabe indenização



O adultério foi revogado como tipo penal pela Lei 11.106 de 2005.

No PL 117/2003 que ensejou a citada lei, os parlamentares justificaram à época, que "este tipo penal, efetivamente, deve ser revogado. O Direito Penal regula as relações do indivíduo com a sociedade, devendo intervir apenas nos casos de lesão a bens jurídicos fundamentais para a sua sobrevivência. Considerando que o adultério ofende apenas a honra do cônjuge, e não mais a sociedade como um todo, não deve ser tutelado pelo direito penal, havendo de gerar conseqüências somente na esfera cível, como grave violação de um dos deveres do casamento, qual seja, a fidelidade, a ensejar a separação judicial ou o divórcio. Ressalve-se que a evolução histórica do tratamento dado ao adultério, revela sua concepção nitidamente sexista, pois embora refira-se a homens e mulheres, dirige-se, de fato, ao adultério feminino. Tanto assim que até 1940 só se punia o adultério do homem se ele coincidisse com o concubinato, diferentemente do tratamento dado à mulher, sem mencionar os chamados crimes passionais em defesa da honra, cuja tese até pouco tempo era usada para justificar o assassinato da esposa adúltera."

Com a descriminalização do tipo penal, as vítimas têm buscado a indenização por dano moral, respaldado no Direito Civil.

Marido traído ganha na Justiça direito a indenização de R$ 114 mil no Rio de Janeiro

Um morador da zona oeste do Rio acionou a Justiça para tentar amenizar a humilhação da infidelidade conjugal e ganhou o direito a indenização de R$ 114 mil. A decisão foi tomada no último dia 10 pela 26ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, após o marido traído flagrar um de seus melhores amigos com sua mulher em um motel.

Inicialmente, a Justiça havia determinado o valor da indenização em R$ 50 mil. Com as correções, a indenização subiu para R$ 93 mil.

Entretanto, o homem achou o valor alto e pediu que o cálculo fosse reavaliado. No entanto, no último dia 10, a Justiça determinou que o valor final seria de R$ 114 mil.

No processo, o marido traído conta que encontrou a mulher em um motel com seu amigo, que chegava a frequentar a residência do casal. Segundo ele, o flagrante resultou no divórcio. O amigo, porém, nega no processo que tenha feito sexo com a mulher.

Na decisão, o relator do processo, juiz Werson Rêgo, que na época – em 2007 – atuava em substituição na 12ª Câmara Cível, afirmou que
"a traição dupla gera angústia, dor e sofrimento, que abalam a pessoa traída, sendo cabível o recurso ao Poder Judiciário para assegurar a reparação ao dano sofrido".

De acordo com Rêgo, o adultério significa violação dos deveres do casamento: fidelidade, respeito e consideração das duas partes. A Folha Online conversou com o juiz na última sexta-feira e ele mencionou que o caso é apontado como uma quentão jurídica "delicada".

"Existem entendimentos em dois sentidos. Temos a orientação que prevaleceu neste caso específico porque houve grave violação de dever do casamento e havendo essa violação de um dever jurídico originário, surge para o infrator o dever jurídico sucessivo de reparar os danos decorrentes. Essa foi a tese que venceu. Mas existe também a posição contrária, no sentido que há de existir moderação naquilo que se chama judicialização das relações familiares, que se deveria ter um cuidado com essas questões, especialmente no âmbito da responsabilidade civil", disse Rêgo.

A Folha Online tentou contato com os advogados Vitor César Lourenço Ferreira e Carlos Alberto Motta, dos dois envolvidos no caso, mas eles não foram localizados.

Fonte: Folha OnLine

Crime organizado: para combater o inimigo é preciso conhecê-lo


Máfia na Itália, Tríade na China, Yakuza no Japão, Cartel na Colômbia e no México, Bratva na Rússia e na Ucrânia e Comando no Brasil. Nomes diferentes para denominar uma mesma atividade ilícita que se estende pelo mundo todo: o crime organizado. Por isso, governos, empresas, instituições e as sociedades civis organizadas têm unido esforços para combater essa prática, como é o caso do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e da Organização das Nações Unidas (ONU). Recentemente, o presidente do STJ, ministro Cesar Asfor Rocha, assinou um documento com o representante regional para o Brasil e o Cone Sul do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC), Bo Mathiasen. A intenção do acordo é promover a cooperação mútua e o intercâmbio de experiências no combate ao crime transnacional.

Para o representante do UNODC, Bo Mathiasen, a globalização tem transformado o modo de vida das sociedades e dos estados, sendo as fronteiras entre os países mais permeáveis, e o trânsito de pessoas, mercadorias, serviços e recursos cada vez mais ágil. Segundo Mathiasen, “a mesma lógica que facilita o comércio e a integração entre os povos também implica mudanças radicais nas dinâmicas dos crimes e da violência”. E lembrou que, se por um lado, as facilidades advindas de ferramentas como a internet são muito bem-vindas, por outro, elas exibem um aspecto hostil, “afinal as mesmas tecnologias que possibilitam melhorias substantivas nas vidas das pessoas também são utilizadas por aqueles que burlam as leis, cometem crimes e desafiam a Justiça”.

O documento assinado pelos dois órgãos prevê a realização de esforços conjuntos no desenvolvimento de ações que fortaleçam a punição das diversas modalidades de crime organizado transnacional. “A aproximação entre essas entidades é chave para consolidar o papel da Justiça Federal no enfrentamento ao crime organizado doméstico e transnacional, sobretudo à luz dos padrões e boas práticas internacionais no mundo irreversivelmente globalizado”, destacou o presidente do STJ.

Definição

Entidades especializadas e estudiosos envolvidos no combate ao crime organizado, em geral encontram dificuldade para estabelecer um conceito comum que atenda a tantas particularidades em relação à prática internacional desses delitos. O Federal Bureau of Investigations (FBI) define o crime organizado como qualquer grupo que tenha uma estrutura formalizada e cujo objetivo primário seja a obtenção de lucro por meio de atividades ilegais.

Contudo, a procuradora de justiça Arinda Fernandes, pós-doutora no assunto, acredita não ser difícil conceituar o crime organizado. Para ela, é possível citar o exemplo da Itália, “que desde a década de oitenta ostenta em seu código penal uma figura típica que define a associação criminosa de tipo mafioso, com várias formas qualificadas”. A especialista também lembra a importância da Convenção de Palermo, válida no Brasil desde 2004. Segundo a procuradora, essa convenção define organização criminosa, traçando suas características básicas.
“Temos aí as linhas-mestras que devem nortear o legislador brasileiro na elaboração de lei que tipifique essa questão”.

O cientista político Guaracy Mingardi, em sua tese de doutorado “O Estado e o crime organizado” aponta quinze características intrínsecas ao crime organizado. Entre elas, destacamos: a simbiose com o Estado, a hierarquia organizacional, a divisão do trabalho, a previsão de lucros, o monopólio e o uso da violência, o controle territorial e a presença da lei do silêncio.

A procuradora Arinda Fernandes explica o porquê da participação do Estado nesses delitos:
“O braço forte da organização sempre foi e sempre será a corrupção de agentes públicos. Como se trafica seres humanos sem que haja a conivência de um representante do Estado? Como traficar drogas sem a “cooperação” de um agente público, sobretudo nos portos e aeroportos? O crime organizado desestabiliza o Estado, subverte a ordem instituída”.

Crimes no Brasil e no mundo

A norma que vigora em âmbito mundial em relação ao combate do crime organizado é a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Esse documento, conhecido como Convenção de Palermo, foi adotado em Nova Iorque, em 15 de dezembro de 2000, entrando internacionalmente em vigor em 29 de setembro de 2003. No Brasil, a Convenção de Palermo foi aprovada por decreto e passou a valer em 2004.

Essa convenção é um instrumento legal que obriga os países signatários a tomar uma série de medidas contra o crime organizado transnacional. Entre as disposições estão a criação de leis nacionais que punam localmente as atividades ilícitas em âmbito internacional, a adoção de novos mecanismos para a assistência jurídica mútua, extradição, cooperação e assistência técnica e treinamento.

A atuação das organizações criminosas vai muito além do tráfico de drogas. Entre as atividades desempenhadas por essas pseudoempresas, estão o roubo de cargas, a fraude em licitações públicas e o tráfico de órgãos. Uma reunião realizada pela ONU, em fevereiro de 2006, em Viena, concluiu não ser possível fazer uma lista expressa dos delitos praticados pelo crime organizado, uma vez que essas organizações atuam tanto contrabandeando ébano quanto aliciando imigrantes. Os crimes passam pela lavagem de dinheiro, obstrução da Justiça, tráfico de armas, de veículos e de seres humanos. Qualquer relação seria incompleta, já que as autoridades que analisam os casos lidam com fenômenos criminais múltiplos e diferentes.

Essa visão também é defendida pelo presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, deputado Laerte Bessa. Ao mencionar o Projeto de Lei 150/2006, de iniciativa do Senado Federal, que trata do crime organizado, o deputado corrobora a posição adotada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que retirou do texto inicial o rol taxativo dos crimes que poderiam ser considerados como delitos praticados por organizações criminosas. Segundo o presidente da Comissão da Câmara dos Deputados, a não existência expressa dos crimes cometidos por essas organizações
“simplifica e elastece a atuação judiciária, que, por ocasião de algum crime não relacionado no texto da lei, seria obrigada a classificar aquela participação como quadrilha ou bando, tornando a punição estatal mais branda, o que não é, de forma alguma, o espírito da lei em comento”.

O deputado ainda ressalta a importância de se promover mudanças no Código Penal brasileiro: “É preciso atualizar a nossa legislação, construída e aprovada quando os crimes não eram tão violentos nem possuíam tanta organização, ou mesmo o nível de crueldade como os que assistimos todos os dias na TV e vivenciamos nas delegacias”.

De acordo com a procuradora de justiça Arinda Fernandes, hoje existe um cenário normativo extremamente defasado em relação a vários países. Ela cita, por exemplo, o não cumprimento por parte do legislativo em relação às metas traçadas pela Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro (ENCLA), instalada no Ministério da Justiça no final de 2003: “Entre essas metas, encontram-se os exames de anteprojetos de lei na esfera de conceituação de organização criminosa e sobre a extinção de domínio (confisco de bens de origem duvidosa com a inversão do ônus da prova). Esses anteprojetos foram elaborados por comissões de trabalho instituídas pela ENCLA”.

Mas tão complexo quanto punir os crimes cometidos por organizações bem estruturadas é dimensionar a extensão dos delitos. Para Arinda Fernandes, o mérito desse acordo de cooperação firmado entre o STJ e a ONU é a oportunidade de traçar um retrato da conjuntura brasileira no que tange a esse fenômeno internacional. “Finalmente se chegará à conclusão da grande necessidade de criação do que sempre defendi, ou seja, varas especializadas para tratar das questões ligadas ao crime organizado, a exemplo do que já foi feito em relação à lavagem de dinheiro. Outro aspecto relevante, nesse acordo, é a possibilidade de desenvolvimento de ferramentas, pesquisas e estudos, pois nos falta, ainda, formação específica entre os magistrados brasileiros, salvo algumas poucas exceções”, concluiu a procuradora.

Ao ratificar acordos como este, de cooperação mútua com a ONU para o combate ao crime transnacional, o Superior Tribunal de Justiça vai ao encontro da sua visão de futuro: ser reconhecido pela sociedade como modelo na garantia de uma Justiça acessível, rápida e efetiva. E, ao buscar formas para atender às expectativas dos cidadãos, o STJ também se firma como exemplo para toda comunidade jurídica.

Fonte: STJ