terça-feira, 9 de março de 2010

A Publicidade no Processo Penal e a Democracia Capitalista: um Binômio Problemático!



por Bernardo Montalvão Varjão de Azevedo*

- I -

A democracria capitalista deve ser vista com desconfiança. É possível afirmar, com espeque em Weber[1], que a democracia capitalista é a engrenagem mais aperfeiçoada do Poder. Ou seja, esta espécie de democracia permite a dominação perfeita, vez que incute no dominado a ideologia de igualdade de participação no Poder e da liberdade social. Afinal, o mais perfeito dos Poderes é aquele que não é percebido[2]. O dominado toma como sua a ideologia do dominador[3].

Mais que isso, a democracia capitalista desconsidera a irracionalidade humana[4], irracionalidade que é amplificada e fomentada no exercício do Poder. Nesse sentido, então, a democracia capitalista é uma emboscada, uma estratégia anestésica do Poder[5]. A armadilha dos ingênuos, a estratégia do Capital e o discurso dos "homens de boa vontade". Mas quem nos protege da bondade dos bons?

Em suma, a democracia capitalista pressupõe a exclusão. Como bem nos lembra Aristóteles, somente os homens livres exercem a liberdade política, participam da polis e, para isso, faz-se necessário que possuam escravos, de sorte que estes possam proporcionar àqueles a liberdade do discurso[6], o desapego à necessidade de sobrevivência. Quem tem fome não é livre. Por tudo isso, a democracia capitalista deve ser compreendida com um objeto de fé ou, para ser otimista (ou seria utilitarista?), como um valor ideal que supostamente poderia ser perseguido.

- II -

É neste cenário "democrático" que o princípio da publicidade no processo penal está inserido. O princípio da publicidade no processo penal de hoje não é o mesmo de ontem. Parece está ocorrendo uma revolução silenciosa. Já não se sabe mais onde termina o limite de tal princípio e onde começa o território da liberdade de imprensa. Qual é a linha que demarca a fronteira entre o princípio da publicidade no processo penal e a liberdade de acesso à informação? O que resulta dessa confusão de direitos e princípio é a impressão de que os seus limites se diluíram. Foram dragados por um novo modelo de sociedade, que se estabelece pouco a pouco, de forma rápida e silenciosa, uma sociedade pós-moderna. Neste palco, os direitos e princípios alternam seus papéis, e disso resulta um único e ideológico conceito[7], o de publicidade. Mas este conceito, ao contrário dos demais, não encontra limites.

A publicidade invade os lares, devassa a intimidade, fragiliza os valores e redesenha, através da tecnologia (tecnocracia), a sociedade fluida, heterogênea, complexa, paradoxal e consumerista atual. Mas a embalagem não adverte: "cuidado, a publicidade faz mal à saúde"! Não seria a ingenuidade a verdadeira enfermidade?[8] Quando a redoma da segurança está rachada, a escolha torna-se a ilusão de liberdade. O homem se vê perdido, desnorteado entre dúvidas, atordoado entre aparências de escolha. Lacaio da desconfiança, servo da conspiração. A moral, pouco a pouco, se dilui, e a ética é re-programada[9]. A luz do flash queima e a sombra se torna o melhor esconderijo. O dissimulado torna-se contagioso.

Enquanto isso, os estudiosos do Direito dedicam páginas e mais páginas para precisar os limites do que venha a ser o princípio da publicidade. Uns afirmam se tratar de princípio[10]. Outros, por sua vez, sustentam que se trata de uma regra. Outros, ainda, afirmam que, em verdade, se trata de uma norma[11]. Quando o Direito se divorciou da Filosofia, da Sociologia, da Psicanálise...? Seria a proporcionalidade a solução para o drama provocado pela publicidade? Eis a mais nova tábua de salvação! Não seria a proporcionalidade o mais novo e badalado mito do mundo arrogante jurídico? Para onde foram as certezas?[12] Tudo de repente ficou tão inseguro.

Constata-se, então, a necessidade de um novo olhar sobre o princípio da publicidade no processo penal. Um olhar que contextualize tal princípio numa sociedade contemporânea e que o analise a partir de uma perspectiva transdisciplinar. É neste teatro de tendências que a publicidade, este ser mutante (re)configurado na sociedade pós-moderna[13], é amplificada pelas ondas do rádio, artificializada por meio dos sinais da televisão e "globalizada" através da internet, a qual insere o homem no "ciberespaço", cria a aparência de inclusão para o excluído; constrói, destrói e reconstrói o significado de (demo)cracia; adapta, versatiliza e fluidifica a dose necessária e cotidiana de anestesia.

- III -

Esta mesma publicidade que administra o torpor do Vulnerável para evitar a sua crise de abstinência incontrolável, que transforma o homem em produto descartável. Afinal, quem não tem presente se conforma com o futuro. Eis, então, que a overdose de publi-demo-cracia transforma o consumidor-cidadão em mercadoria[14]. A epidemia depressiva é sintoma dessa agonia. Quanto mais o estranho se esconde, mais o nome dele é alardeado. Nunca antes a sociedade sofreu tanto de esquizofrenia.

Mas a publicidade não é a apenas um artigo de consumo, é também uma ferramenta do poder. Mais que isso, é um valor caro ao Poder. A publicidade cria uma realidade virtual mais real do que a real [15]. O criptográfico é colocado à venda na prateleira. E, neste cenário de angústias, a democracia capitalista entra crise, ou será que é o Poder que está em crise? Ou melhor, não será que quem agoniza é o Capital? Não seria a hegemonia da democracia capitalista a engrenagem perfeita de dominação a serviço do Capital? Quem disse que o Estado detém todo o poder?[16] Afinal, o mais perfeito dos poderes é aquele que não é percebido. O Eu, então, encobre o Outro e este se torna um segundo Eu. Afinal, quanto maior a liberdade de escolha do Ego, maior a capacidade de domínio do Alter.

Notas e referências

[1] WEBER, Max. Economia e Sociedade. Volume I. Brasília: Unb, 2004, p. 76-87.

[2] FERRAZ JR. Tércio Sampaio. Estudos de Filosofia do Direito. Reflexões sobre o Poder, a Liberdade e a Justiça. São Paulo: Atlas, 2002, p. 15.

[3] GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. passim.

[4] HOBBES, Thomas. O Leviatã. São Paulo: Martin Claret, 2007, p. 83-92.

[5] LENIN, Vladimir Ilitch. O Imperialismo- Fase superior do Capitalismo. São Paulo: Centauro, 1990., p. 15-25.

[6] ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Martin Claret, 2002. passim.

[7] MARCUSE, Herbert. Ideologia da Sociedade Industrial. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 3ª edição, 1969. passim.

[8] LYOTARD, Jean-François. A Condição-Pós Moderna. Tradução: Wilmar do Valle Barbosa. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 2006, p. 80.

[9] ADEODATO, João Maurício. Ética e Retórica. Para uma teoria da dogmática jurídica. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2006. passim.

[10] DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Jéferson Luiz Camargo. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. passim.

[11] ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudos Políticos e Constitucionales, 2002. passim.

[12] PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas. Tempo, caos e leis da natureza. Tradução: Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Editora Unesp, 1996, p. 7-16.

[13] BAUMAN. Zygmunt. O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Tradução: Mauro Gama, Claudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, p. 52.

[14] BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Lisboa: 70 Arte & Comunicação, 2007. passim

[15] BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e Simulação. Tradução: Maria João Pereira. Lisboa: Relógio D’água, 1997, p. 27.

[16] ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria Geral do Estado. 3. ed. Tradução de Karin Praefke-Aires Coutinho. Coordenação José Joaquim Gomes Canotilho. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

* Mestrando em Direito Público; Pós-Graduado em Ciências Criminais; Professor.

Fonte: Editora Magister

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