por Luiz Flávio Borges D’Urso*
Comemoramos, nós advogados, mais um agosto. A data, além de evocar o histórico 11 de agosto de 1827, quando D. Pedro I sancionou lei criando os cursos jurídicos no Brasil, ilumina e reacende na memória o inquestionável papel da classe na construção de um país mais democrático, mais equânime e mais humano – vale dizer, uma Nação na qual se busca aproximar, cada vez mais, a realidade das determinações da lei.
Nesses 183 anos, a advocacia brasileira edificou uma história de lutas pautadas sempre pelos nobres preceitos de defesa intransigente da administração, distribuição e disseminação irrestrita da Justiça, condição crucial para o livre exercício da plena cidadania.
Não cabe aqui enumerar as continuadas lutas. Mesmo porque todas as justas batalhas que a advocacia nacional travou continuam vivas, paradigmas que são do exercício da nossa profissão. Quero, porém, enfatizar: sempre que o ambiente impediu o integral dever do advogado, o tecido social se viu esgarçado, não raras vezes ao ponto de intolerável corrosão.
Nesses sombrios momentos de retrocesso na construção da cidadania nacional foi a voz dos advogados brasileiros, muitas vezes única, que se fez ouvir, clamando contra a arbitrariedade, a injustiça, a iniquidade – uma voz a favor da construção, do restabelecimento ou do aperfeiçoamento do Estado Democrático, sob a égide do Direito e da Justiça.
É justamente esta função social do advogado que pretendo ressaltar. A criação da OAB, em 1930, é decorrência direta da consciência, entre nós, do papel que desempenha o advogado na sociedade. Todas as lutas travadas pela Ordem, desde então, se pautaram no sentido de construir e consolidar as instituições no país.
Evidentemente, a consciência de nossa função social não basta. Ainda hoje enfrentamos em nosso cotidiano tentativas de diminuí-la, apequená-la, relegá-la, enfim, a mera operação técnica. Claro, sem a melhor técnica não há Direito. Isto vale não só para os advogados. Vale igualmente para magistrados, promotores - em suma, para todos os que têm por ofício a operação do Direito e da Justiça.
Nós advogados, porém, assistimos nos últimos anos reiterados intentos de diminuir e estiolar o nosso mister. Exemplo recente é a intenção de confundir as prerrogativas profissionais da advocacia com privilégios.
Tais prerrogativas, sabemos, não nos dão imunidades negadas a quaisquer outros cidadãos. Ao contrário, constituem um dever mais do que um direito. E, se um advogado, tal como ocorre em qualquer profissão, exorbitar de seu dever, enfrentará mecanismos de punição adequada, como o são os instrumentos que mantemos na própria OAB para apurar e impedir condutas antiéticas.
Prerrogativas profissionais, aliás, são mais do que um direito na medida em que garantem a função social, e constitucional, do advogado de exercer a defesa cumprindo totalmente seu dever. Sem elas, seria impraticável, por exemplo, manter o sigilo profissional, dirigir-se diretamente ao magistrado e tantas outras condutas perfeitamente delineadas nos códigos e, mais, consagradas como alicerces do Estado democrático de Direito.
Faço essas considerações por entender que há, hoje, batalhas que, à primeira vista, podem aparentar ser menores do que de fato o são. A tentativa de confundir prerrogativas profissionais com privilégios foi apenas uma delas - frustrada, aliás, porque os advogados e suas entidades de classe souberam reconhecer o risco institucional que implicaria se a tese vingasse. E reagiram à altura.
Da mesma forma, devemos manter nossa atenção para qualquer iniciativa que, por acessória que pareça, possa reduzir a nobre função social da advocacia. Ao contrário, nossa incumbência é ampliar tal função em favor de uma sociedade mais democrática e justa, engrandecendo assim uma atividade, cuja inquestionável contribuição para o país se iniciou em um histórico 11 de agosto.
*Advogado criminal, mestre e doutor pela USP, é presidente da OAB/SP
Fonte: Migalhas
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