por Ricardo Antonio Andreucci*
Com a entrada em vigor da Lei nº 12.299, de 27 de julho de 2010, que alterou o Estatuto de Defesa do Torcedor (Lei nº 10.671/93), novos tipos penais passaram a integrar o ordenamento jurídico pátrio, em salutar novatio legis incriminadora que acabou por acolher diversas sugestões apresentadas pelo Ministério Público de São Paulo.
Os novos tipos penais passaram a integrar o Capítulo XI-A do Estatuto do Torcedor, criminalizando, dentre outras, as condutas de venda irregular de ingressos de evento esportivo; o tumulto, prática ou incitação de violência nas cercanias do local de realização do evento esportivo; a corrupção ativa e passiva para a prática de ação ou omissão visando alterar ou falsear o resultado de competição esportiva; e o estelionato desportivo, caracterizado pela fraude a resultado de competição esportiva.
Já de início, o art. 41-B tipifica as condutas de “promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores em eventos esportivos”, punindo-as com reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa. Estabelece, ainda, o mesmo dispositivo, as figuras assemelhadas de “promover tumulto, praticar ou incitar a violência num raio de 5.000 (cinco mil) metros ao redor do local de realização do evento esportivo, ou durante o trajeto de ida e volta do local da realização do evento” e de “portar, deter ou transportar, no interior do estádio, em suas imediações ou no seu trajeto, em dia de realização de evento esportivo, quaisquer instrumentos que possam servir para a prática de violência.”
Neste passo, ainda que se considere a saudável inovação legislativa, não pode passar despercebida a sofrível redação do tipo penal, que certamente acarretará sérias dificuldades aos Promotores de Justiça, na denúncia e na instrução do processo-crime, por conta da utilização de expressões como “raio de 5.000 (cinco mil) metros ao redor do local de realização do evento desportivo” e “quaisquer instrumentos que possam servir para a prática de violência” – em tese, um sapato ou tênis pode servir para a prática de violência, se utilizado indevidamente!
A corrupção passiva desportiva vem tipificada no art. 41-C, que pune com pena de reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa as condutas de “solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva”, não se restringindo, por óbvio, o sujeito ativo apenas ao árbitro da partida, como apressadamente divulgado nos meios de comunicação.
A corrupção ativa desportiva, tipificada no art. 41-D, vem caracterizada pelas condutas de “dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva”, punidas também com reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.
O estelionato desportivo, por seu turno, uma das mais importantes inovações da lei, previsto no art. 41-E, vem tipificado como “fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva”, sendo punido com a mesma pena dos crimes anteriores, ou seja, 2 (dois) a 6 (seis) anos de reclusão. Observe-se, neste ponto, que a amplitude do tipo penal permitirá a punição não somente daquele que praticar, por qualquer meio, a fraude, como também daquele que contribuir, de qualquer forma, para essa prática. O objeto material, sempre, deverá consistir no resultado da competição desportiva.
Com relação ao vulgarmente denominado “cambismo”, também foi salutar a inovação legal. Câmbio significa troca, permuta, escambo, barganha, sendo corrente no vulgo popular a expressão “câmbio negro”, significando um mercado paralelo, onde se negociam mercadorias à margem da lei, irregularmente, no mais das vezes por valores muito acima daqueles estabelecidos.
O art. 41-F criminalizou, portanto, a conduta de “vender ingressos de evento esportivo, por preço superior ao estampado no bilhete”, estabelecendo pena de reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa. Também foram tipificadas, no art. 41-G, as condutas de “fornecer, desviar ou facilitar a distribuição de ingressos para venda por preço superior ao estampado no bilhete”, punidas com reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa. Neste último caso, a pena será aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o agente for servidor público, dirigente ou funcionário de entidade de prática desportiva, entidade responsável pela organização da competição, empresa contratada para o processo de emissão, distribuição e venda de ingressos ou torcida organizada e se utilizar desta condição para os fins previstos no artigo.
Com relação ao processo dos crimes tipificados pela nova lei, seguem-se as regras do procedimento comum (arts. 394 e seguintes do CPP), com a ressalva de que, no caso do art. 41-B (“promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores em eventos esportivos” e figuras assemelhadas), na sentença penal condenatória, o juiz deverá converter a pena de reclusão em pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de 3 (três) meses a 3 (três) anos, de acordo com a gravidade da conduta, na hipótese de o agente ser primário, ter bons antecedentes e não ter sido punido anteriormente pela prática de condutas previstas no artigo. Essa modalidade de pena restritiva de direitos converter-se-á em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. Além disso, ao converter a pena privativa de liberdade em pena impeditiva, a sentença deverá determinar, ainda, a obrigatoriedade suplementar de o agente permanecer em estabelecimento indicado pelo juiz, no período compreendido entre as 2 (duas) horas antecedentes e as 2 (duas) horas posteriores à realização de partidas de entidade de prática desportiva ou de competição determinada. Inclusive, na hipótese de o representante do Ministério Público propor aplicação da pena restritiva de direito prevista no art. 76 da Lei no 9.099/95, o juiz a aplicará na modalidade de impedimento de comparecimento às proximidades do estádio ou outro local em que se realize o evento esportivo.
Por fim, merece destacar que a lei facultou, no art. 41-A, a criação pelos Estados e pelo Distrito Federal de “juizados do torcedor”, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes das atividades reguladas no Estatuto de Defesa do Torcedor.
São estas, em suma, as novidades criminais trazidas pela Lei nº 12.299/10, as quais deverão, a seu tempo, ser melhor analisadas e discutidas pelos operadores do Direito, merecendo louvor o legislador pátrio e principalmente o Ministério Público paulista, que, através da valorosa contribuição de seus dedicados membros, contribuiu de forma efetiva para a redução da violência praticada por torcedores e torcidas organizadas.
* Ricardo Antonio Andreucci é Procurador de Justiça do Estado de São Paulo. Professor universitário e de cursos preparatórios para ingresso nas carreiras jurídicas. Autor de diversas obras pela Editora Saraiva.
Fonte: Portal Mesmes Jurídico
Nenhum comentário:
Postar um comentário