sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O exame criminológico e a equivocada resolução 009/2010 do Conselho Federal de Psicologia


por Renato Marcão*

SUMÁRIO: 1) Introdução; 2) Nossa posição a respeito da (im)possibilidade de realização de exame criminológico por ocasião da apreciação de pedido de progressão de regime; 3) Posição do STF e do STJ; 4) Conclusão.

1) Introdução
Com o advento da lei 10.792/03 (clique aqui), que entre outras providências alterou a redação do art. 112 da Lei de Execução Penal (clique aqui), estabeleceu-se acirrada discussão na doutrina a respeito da admissibilidade, ou não, do exame criminológico por ocasião da progressão de regime prisional.

Instadas a se pronunciarem, as instâncias recursais também se dividiram a respeito do tema, mas recentemente o STF e o STJ se posicionaram de forma clara a respeito do tema, acenando para a possibilidade de realização do exame criminológico, a critério do juiz da execução penal, devendo ser apreciada caso a caso a necessidade do exame, mediante decisão fundamentada.

Ainda em razão da mesma discussão, tramitam no Congresso Nacional PLs que visam ressuscitar expressamente o exame criminológico para aferição de mérito visando progressão de regime.

Em meio a tal quadro, de forma equivocada, o Conselho Federal de Psicologia editou a Resolução 009, de 29 de junho de 2010 (clique aqui), que regulamenta a atuação do psicólogo no sistema prisional, e em seu art. 4º, alínea "a", assim dispõe: "conforme indicado nos arts. 6º e 112º da lei 10.792/03 (que alterou a lei 7.210/84), é vedado ao psicólogo que atua nos estabelecimentos prisionais realizar exame criminológico e participar de ações e/ou decisões que envolvam práticas de caráter punitivo e disciplinar, bem como documento escrito oriundo da avaliação psicológica com fins de subsidiar decisão judicial durante a execução da pena do sentenciado".

É inegável o equívoco do referido dispositivo, conforme veremos mais adiante.

2) Nossa posição a respeito da (im)possibilidade de realização de exame criminológico por ocasião da apreciação de pedido de progressão de regime.

Conforme já discorremos em outras ocasiões¹, estamos definitivamente convencidos de que, embora até possa determinar a realização de exame criminológico, não é lícito ao juiz da execução negar progressão de regime com base em informações ou interpretações que possa extrair do laudo respectivo.

É que, em razão das mudanças impostas com a lei 10.792/03, o art. 112 da Lei de Execução Penal exige apenas o cumprimento de um sexto da pena, como requisito objetivo para progressão, e a apresentação de atestado de boa conduta carcerária firmado pelo diretor do estabelecimento prisional, como requisito subjetivo. É o que basta para a progressão.

Indeferir pedido de progressão com base em apontamentos do laudo criminológico, se o executado cumpriu um sexto da pena no regime atual e juntou atestado de boa conduta carcerária, nos termos do art. 112 da Lei de Execução Penal, corresponde a indeferir pedido com base em requisito não exigido.

É preciso enxergar a verdadeira intenção do legislador e admitir a mudança.

A lei não mudou para ficar tudo como estava, e prova disso é a existência de PLs tramitando no Congresso Nacional visando nova modificação da LEP para trazer de volta o exame criminológico no momento da progressão.

3) Posição do STF e do STJ
Adotando entendimento diverso ao que defendemos, após reiteradas decisões no sentido de que o juiz da execução penal pode, diante do caso concreto e desde que o faça em decisão fundamentada, determinar a realização do exame criminológico e valorar suas conclusões para efeito de aferir a presença de mérito para a progressão de regime, o STF editou a Súmula Vinculante 26, que tem a seguinte redação: "Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da lei 8.072 (clique aqui), de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico".

Com redação mais abrangente, porém, sem força vinculante, o STJ editou a Súmula 439, nos seguintes termos: "Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada".

O posicionamento das Cortes citadas restou muito claro, e mais não é preciso dizer a esse respeito.

4) A resolução do Conselho Federal de Psicologia
É equivocada, para dizer o mínimo, a proibição pretendida pelo Conselho Federal de Psicologia com a redação da alínea "a" do art. 4º, da Resolução 009/2010.

De início é de se ressaltar o desacerto de sua fundamentação, visto que os arts. 6º e 112 da Lei de Execução Penal não proíbem a realização do exame criminológico.

Quanto ao art. 6º não há qualquer dúvida.

Em relação ao art. 112, ainda que adotado nosso posicionamento acima indicado, não caberia ao referido Conselho impor a indevida (até porque inconstitucional) proibição ao exercício da profissão de psicólogo, especialmente em no campo da execução penal, e menos ainda no momento e para as finalidades indicadas no corpo da Resolução.

No mais, note-se que em sentido contrário à pretensão do referido Conselho há Súmula Vinculante do STF dispondo a respeito da possibilidade de realização de exame criminológico e também Súmula do STJ, com o alcance ainda mais amplo que se extrai de sua redação, de maneira que a restrição imposta contraria o posicionamento das duas Cortes de Justiça, de forma a estampar o lamentável equívoco a que se lançou Conselho Federal ao regulamentar a atuação dos psicólogos no sistema prisional.

Não bastasse a celeuma criada pelo legislador ordinário com a lei 10.792/10, temos agora um grande desserviço prestado por quem tem reconhecidas condições de contribuir valiosamente para o destino do processo execucional.

Nem se diga que a Resolução tem a pretensão de estabelecer que dentre as atividades profissionais desenvolvidas pelos psicólogos está vedada a realização de exame criminológico, até porque tal prática está autorizada na mesma Resolução, "por ocasião do ingresso do apenado no sistema prisional", conforme se extrai do mesmo art. 4º, alínea "b", redação que respeita os arts. 6º e 7º da LEP.

Os problemas que decorrem do dispositivo aqui hostilizado são evidentes, pois naqueles casos em que o juiz determinar a realização de exame criminológico visando a aferição de mérito para a progressão de regime prisional, havendo recusa do psicólogo incumbido, e isso com fundamento na referida Resolução, estará criado impasse que demandará tempo para sua solução, com consequente demora na prestação jurisdicional e inevitáveis prejuízos ao executado e à sociedade enquanto se aguarda a resolução do problema que era absolutamente evitável.

5) Conclusão
Diante do pântano a que se encontra lançada a execução penal no Brasil, o mínimo que se espera é que os envolvidos com o processo execucional em sentido amplo, podendo ajudar, não atrapalhem.

¹ RENATO MARCÃO, Curso de Execução Penal, Saraiva, 8 ed., 2010; Lei de Execução Penal Anotada e Interpretada, 3. ed., Lumen Juris, 2009.

*Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo.

Fonte: Migalhas

Um comentário:

Anônimo disse...

http://www.conamp.org.br/Lists/artigos/DispForm.aspx?ID=186&Source=%2F

O EXAME CRIMINOLÓGICO E A OPORTUNA RESOLUÇÃO Nº 9/2010 DO CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA

Haroldo Caetano da Silva*

O Conselho Federal de Psicologia mais uma vez mostra a posição de vanguarda da classe dos psicólogos no trato de questões relacionadas à violência e ao sistema prisional brasileiro. Depois da publicação, em 2008, do excelente trabalho “Falando sério sobre prisões, prevenção e segurança pública”, o CFP agora materializa de forma corajosa a Resolução nº 9/2010, regulamentando a atuação do psicólogo no sistema prisional e, dentre muitas e importantes disposições, vedando a atuação do psicólogo na realização do exame criminológico.
(...)Além da expressa revogação por força de lei, em 2003, o exame criminológico parte de premissas falsas, especialmente aquela de que o psicólogo possa prever o comportamento futuro do homem, isso segundo elementos colhidos de sua subjetividade. Apresenta‑se o exame criminológico, pois, como uma espécie de instrumento destinado à aferição do índice de contaminação do homem pela doença do crime. Acontece que crime não é doença. (...) Essa figura de traços lombrosianos não se sustenta.
(...)A atuação do psicólogo no sistema prisional é de suma importância para a garantia da dignidade da população carcerária, mas não na condição de laudista ou de agente disciplinador, funções assumidas quando participa desse exame fajuto, mas, sim, como realçado na Resolução nº 9 do CFP, trabalhando no acompanhamento terapêutico do preso, buscando “compreender os sujeitos na sua totalidade histórica, social, cultural, humana e emocional”, na “promoção da saúde mental, visando a criação ou o fortalecimento dos laços sociais e comunitários” etc.

(...)Parabéns ao Conselho Federal de Psicologia!

*Haroldo Caetano da Silva é Promotor de Justiça da Execução Penal em Goiânia, desde 1995, Mestre em Direito pela Universidade Federal de Goiás, Vencedor do Prêmio Innovare, edição 2009, na categoria Ministério Público, e autor, dentre outros, dos livros “Execução Penal” (Magister, 2006) e “Ensaio sobre a pena de prisão” (Juruá, 2009).