segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Fita adesiva em placa de veículo é "crime impossível"


SENTENÇA – AUTOS 1055/08 – FITA ADESIVA EM PLACA DE VEÍCULO – CRIME IMPOSSÍVEL – ABSOLVIÇÃO

Vistos.

ELIEZER V. P. e DANIEL P. B. S. , já qualificados nos autos, foram denunciados como incursos nas penas do art. 311, caput, do Código Penal.

A denúncia foi recebida (fls. 114), os réus foram devidamente citados (fls. 95/96) e interrogados (fls. 135/138).

A resposta/defesa foi apresentada (fls. 97/105 e fls. 112).

Na instrução criminal foram ouvidas duas testemunhas arroladas pela acusação (fls. 125 e fls. 133) e duas testemunhas de defesa (fls. 132 e fls. 134).

Em memoriais, o Ministério Público (Dr. Pedro Eduardo de Camargo Elias) requereu a improcedência da ação com a absolvição dos acusados (fls. 141/142).

A defesa do acusado Daniel Paulo Bomfim Silva (Dra. Janaina Cerimele Assis Dezan), na mesma fase (fls. 149/153), pugnou pela absolvição do acusado, pelo fato não constituir crime, reconhecendo-se a atipicidade, ou então por não ter concorrido para a infração.

A defesa do acusado Eliezer Vieira Parra (Dr. Nery Caldeira), na mesma fase (fls. 154/156), pugnou pela absolvição do acusado com base no art. 386, III, e VII, do Código de Processo Penal. Caso haja eventual condenação, requereu que lhe seja concedido o direito de apelar em liberdade.


É O RELATÓRIO.

DECIDO.

Não foram arguidas preliminares.

O pedido condenatório é improcedente.

Consta da denúncia que os acusados adulteraram sinal identificador do veículo FIAT/Pálio, EDX, ano 1997, cor azul, placas AHI-4552, de Campinas/SP.

Em juízo, a acusado Eliezer (fls. 135/136) alegou que veio juntamente com Daniel até a cidade de Limeira na casa de um amigo. Foram abordados e os policiais pesquisaram sobre suas passagens criminais. Disse que foram agredidos pelos policiais. Negou ter adulterado a placa do veículo. Por fim, disse que os policiais chegaram com peças de outro veículo dizendo que pertenciam a eles.

O acusado Daniel quando interrogado em juízo (fls. 137/138) disse que seu amigo Eliezer o convidou para vir á cidade de Limeira na casa de um amigo. Foram abordados no caminho pelos policiais militares, que disseram que estava ocorrendo muitos furtos de veículo na cidade, cujos elementos vinham da cidade de Campinas. Informou que foram agredidos pelos policiais. Chegou outro policial com peças de carro nas mãos dizendo que pertenciam a eles. Foram conduzidos até a delegacia e lá os policiais alegaram que eles estariam presos porque adulteraram a placa do veículo com fita isolante. Já foi processado anteriormente por furto e receptação.

A negativa dos acusados não foram infirmadas pelas provas coligidas.

O policial militar Roberto (fls. 125) esclareceu que estava em patrulhamento com a guarnição quando avistaram um veículo suspeito. Abordaram os acusados e realizaram a vistoria interna no veículo. Encontraram objetos supostamente usados para a prática de furto em veículos. Ato contínuo, notaram, em revista externa no veículo, que a placa havia sido adulterada com fita isolante. Informou que os acusados no momento da prisão em flagrante confessaram que estavam na cidade de Limeira para praticarem furto. Acrescentou que através dessa apreensão chegaram a outros indivíduos da quadrilha.

A testemunha arrolada pela acusação, o policial militar Antonio (fls. 133) disse que na época dos fatos o índice de furto na cidade era assustador. Tinham informações de que indivíduos vinham da cidade de Campinas para a prática de furto. Estavam em patrulhamento com a força tática pela área central quando avistaram o veículo dos acusados. Fizeram pesquisa no banco de dados, onde constaram que era placa de outro veículo. Abordaram o veículo e encontraram objetos supostamente usados para praticarem furto em outros veículos. Afirmou que a placa do veículo estava adulterada com fita isolante. Os acusados foram detidos e conduzidos ao plantão policial. Acrescentou que enquanto faziam a revista pessoal, os acusados tinham aparelhos nextel e receberam uma chamada do irmão de um deles, zombando dos policias.

A testemunha Fábio (fls. 132) não presenciou os fatos. Apenas teceu elogios aos réus.

Por fim, a testemunha Edna (fls. 134) é amiga dos acusados. Não presenciou os fatos. Não tem conhecimento dos acusados terem envolvimento com qualquer tipo de crime.

Ninguém mais foi ouvido.

Patente a prática de crime impossível, apenas no tocante à acusação que consta nos autos, uma vez que os roubos e furtos estão sendo discutidos em vias próprias.

A colocação de fita isolante na placa de veículo automotor é facilmente perceptível, o que torna o crime de falsidade impossível, por absoluta impropriedade do meio utilizado.

O delito descrito no art. 311 do Código Penal prevê pena muito severa (3 a 6 anos de reclusão e multa).

O Judiciário não pode perder de vista o bem jurídico tutelado pelo tipo penal mencionado, qual seja, a fé pública e, especialmente, a proteção da propriedade e da segurança no registro de automóvel.

No caso concreto, observa-se que a colocação de fita isolante para alterar letra da placa de identificação do veículo é perceptível a olho nu. O meio empregado para a adulteração não se presta à ocultação de veículo objeto de crime contra o patrimônio.

Qualquer cidadão, por mais incauto que seja, tem condições de identificar a falsidade que, de tão grosseira, a ninguém pode iludir. Em suma, a fraude é risível, grotesca. Logo, a fé pública não é sequer atingida

O direito penal tem caráter fragmentário não devendo se ocupar de condutas que não danificam o bem jurídico penalmente protegido.

Não se está a defender a atipicidade em razão de suposta criminalidade de bagatela. A crença na veracidade dos sinais públicos merece proteção penal mesmo se minimamente arranhada.

A situação é outra, entretanto.

Verifica-se atipicidade da conduta praticada porquanto o meio utilizado é absolutamente inócuo ao delito de adulteração de veículo automotor.

A punição de mera infração administrativa – é o caso – com a sanção criminal prevista tipo descrito no artigo 311 do Diploma Penal desafia a razoabilidade e proporcionalidade, porquanto a fé pública permaneceu incólume e, à míngua de lesividade ao bem jurídico tutelado, a conduta praticada pelo recorrido é atípica.

Não é possível que se dê a tal conduta – que merece punição na esfgera administrativa – o mesmo tratamento dispensado à criminalidade organizada.

Nesse sentido: STJ – RECURSO ESPECIAL Nº 503.960 – SP (2003/0004872-8) – RELATOR: MINISTRO CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP)

DA DECISÃO FINAL

Posto isto e por tudo mais que dos autos consta, julgo improcedente o presente pedido para absolver os réus ELIEZER V. P. e DANIEL P. B. S. , já qualificados nos autos, da prática do crime previsto no art. 311, caput, do Código Penal, nos termos do art. 386, III (não constituir o fato infração penal), do Código de Processo Penal.

Não há custas.

P. R. I. C.

Oportunamente, arquivem-se.

Limeira, 16 de agosto de 2010.

Dr. LUIZ AUGUSTO BARRICHELLO NETO
Juiz de Direito

Fonte: Blog do Dr. Barrichello

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