A primeira vítima entra sala e o escrivão indica em qual cadeira deve se sentar. O microfone é colocado na roupa, o servidor senta em frente ao computador e avisa a juíza que está tudo pronto. A juíza Giovana Furtado de Oliveira da 19ª Vara Criminal em São Paulo lê a descrição da cena de um crime que aconteceu em Peruíbe e pergunta para vítima se aconteceu daquela forma, o homem confirma e complementa com sua versão. Em menos de dez minutos, duas pessoas são ouvidas em uma carta precatória de um processo que tramita no litoral.
Graças ao sistema de gravação audiovisual de audiências, que já funciona desde 2008, a íntegra do que disse a vítima poderá ser assistido e ouvido pelo juiz titular do processo em outra cidade. O programa leva alguns minutos para salvar o arquivo de áudio e vídeo, mas fora isso é muito rápido. Na pauta do dia, há mais dois julgamentos. “No próximo caso, uma mulher teve seu celular roubado por um homem, ele está preso, e agora será julgado”, explica Giovana.
Após o reconhecimento, a audiência se inicia. Ela conta como tudo aconteceu, visivelmente nervosa. Antes de ir embora quer saber o que vai acontecer, disse temer que o acusado faça alguma coisa contra sua família. Giovana a tranquiliza e ela vai embora. Em seguida, o réu entra escoltado por dois policiais, o militar que o prendeu o reconhece e também presta seu depoimento. Antes de o réu falar, a defensora Karina Salvador sai da sala e vai ter com ele uma conversa reservada para orientação.
Quando voltam, o réu confirma que pegou o celular da mulher, mas alega que naquele dia estava sob efeito de crack. Por ser menor de 21 anos e não ter antecedentes criminais, é condenado a cumprir quatro anos no regime semi aberto, pena sugerida pelo promotor Roberto Livianu. O réu se mostra satisfeito com a pena. “Graças a Deus, agora sou evangélico doutor”, garante o réu. Mas a defensora pergunta se o réu quer recorrer, ele afirma que sim.
Enquanto o promotor e a defensora apresentam suas alegações, a juíza começa a escrever a decisão. Tudo termina quase ao mesmo tempo. Com as falas gravadas o processo já pode ser remitido para o Tribunal de Justiça, onde um desembargador irá analisar novamente o processo. Ao todo, menos de 30 minutos são utilizados para solucionar um caso de março de 2010. Com o novo sistema, a máquina de escrever fica guardada em cima do armário na sala.
“A gravação aproxima o juiz dos fatos e afasta aquele simples contato com o papel”, afirma Giovana. A aparência dela é de uma mulher jovem, mas já atua como juíza há onze anos. Mesmo sendo “mão pesada” na hora de aplicar a lei, ela não confunde rigidez com rudeza e trata com delicadeza e educação todos que entram em sua vara. Por ser móvel, já atuou em várias áreas diferentes. Ela ficará na 19ª Vara Criminal por apenas dois anos.
“Enquanto o escrivão grava o material, eu já vou escrevendo a sentença e se precisar eu vou lá fora chamar as partes”, ressalta. Não só a gravação de todo conteúdo da audiência agiliza os processos naquela Vara, mas também a postura da juíza no trato com os casos. O juiz pode fazer cada depoimento de uma vez, porém, Giovana marca tudo para um mesmo dia e logo finaliza com a sentença.
A pauta do dia iniciou atrasada por uma lentidão no programa que faz as gravações, às 13h50. Mas antes das 17h uma carta precatória foi feita e três processos foram julgados encerrando o dia. Porém, a juíza, o promotor e a defensora continuam trabalhando no Fórum Criminal da Barra Funda após o fim das audiências. "Eu trabalho de acordo com a demanda, se tiver muitos processo estendo meu horário por aqui", afirma.
Ela conta que quando começaram as gravações, vez ou outra, um processo voltava para a Vara para ser degravado, isso porque, havia uma recomendação do Tribunal de Justiça de São Paulo para transformar em papel. Mas com a Resolução 105/2010 do Conselho Nacional de Justiça o TJ revogou a recomendação. Roberto Livianu acredita que ainda existe alguma resistência às gravações. “É natural que exista, é uma mudança de mentalidade”, explica.
Para facilitar o trabalho e garantir segurança, o tribunal coloca nos processos pequenas tarjas coloridas que identificam pontos peculiares do caso. A preta é colocada quando foi decretado o sigilo, a vermelha significa que o réu está preso, duas vermelhas que o processo tem testemunhas protegidas, uma verde é quando o réu está preso por outro processo, e assim segue.
O promotor acumula a presidência do Ministério Público Democrático e defende uma visão mais garantista do Direito Penal. “O réu não é um inimigo”, reforça. Sua rotina é tão acelerada quanto a da juíza Giovana, quando não está em audiência, está na sala da promotoria. Para Livianu, o promotor precisa contribuir para deixar a sociedade melhor e menos injusta, mas isso não acontece com prisões. “A prisão deve ser utilizado com proporcionalidade”, ressalta.
Ele afirma que há setores de sociedade que desconhecem seus direitos e cometem atrocidades, como no caso do Júri do casal Nardoni, quando o advogado dos réus Roberto Podval foi agredido na porta do fórum. “É uma cena que não deve acontecer novamente”, observa.
Fonte: Conjur, por Mariana Ghirello
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