sábado, 1 de maio de 2010

Investigação de araque


A delegada Martha Vargas é protagonista de um dos episódios mais lamentáveis da Polícia Civil do DF.

A direção da corporação afastou a titular da 1ª DP após verificar falhas graves na condução do inquérito que investiga o assassinato de José Guilherme Villela, da mulher e da governanta do casal em agosto de 2009. Mais do que a inabilidade em elucidar o crime, a Cúpula da polícia civil constatou que a principal prova utilizada para prender três suspeitos — a chave do apartamento dos Villela — não tem validade. A prisão de 30 dias dos acusados teria ocorrido de forma arbitrária e sem base legal. “Erramos”, resumiu o diretor-geral Pedro Cardoso, que anunciou “com pesar” o afastamento de Martha Vargas e disse confiar na unidade especializada que está à frente do caso. Em entrevista ao Correio, Alex Soares, um dos homens detidos pelos agentes da ex-titular da 1ª DP, disse que apanhou para confessar — na sala da delegada — um crime que não cometeu.

Entenda os fatos:

A polícia errou
Diretor da corporação admite falha nas investigações feitas pela delegada Martha Vargas, que acabou exonerada e virou alvo de sindicância. Além dos assassinos dos Villela, agora é preciso descobrir como a chave recolhida no imóvel das vítimas apareceu depois na casa de suspeitos.

A primeira autoridade policial à frente do inquérito responsável pela apuração do triplo homicídio ocorrido na 113 Sul será investigada pela Polícia Civil do Distrito Federal por supostas falhas ao longo da investigação. A delegada Martha Vargas acabou exonerada ontem do cargo de titular da 1ª Delegacia, na Asa Sul, no mesmo dia em que o Correio Braziliense divulgou com exclusividade que um laudo desqualificou a então principal prova material da participação de três homens no crime. O afastamento ocorreu para garantir a isenção nas diligências abertas pela Corregedoria da Polícia Civil.

Um exame realizado pelo Instituto de Criminalística (IC) comprovou que a chave encontrada na casa dos suspeitos de envolvimento nas mortes do casal de advogados José Guilherme Villela, 73 anos, e Maria Carvalho Mendes Villela, 69; e da principal empregada da família, Francisca Nascimento da Silva, 58, é a mesma recolhida pela própria polícia no imóvel das vítimas no dia em que os corpos foram descobertos. Os assassinatos ocorreram em 28 de agosto de 2009 no apartamento 601/602 do Bloco C da SQS 113, mas os policiais só foram acionados na noite de 31 de agosto. Peritos técnicos fotografaram o objeto na cena do crime, o que permitiu o confronto de dados.

Na época da investigação feita pela unidade policial da Asa Sul, a chave serviu para prender Cláudio José de Azevedo Brandão, 38 anos, Alex Peterson Soares, 23, e Rami Jalau Kaloult, 28. Os três moravam no mesmo lote em Vicente Pires e, em novembro do ano passado, a polícia usou o objeto para mantê-los detidos por um mês como suspeitos do triplo homicídio (leia Linha do tempo). Os investigadores da 1ª DP ainda conseguiram que Alex gravasse um depoimento. O jovem disse que o vizinho Cláudio lhe pediu para guardar a chave em troca de uma recompensa. Ontem, alegou ter sido torturado (leia mais na página 24).

O diretor-geral da Polícia Civil do DF, delegado Pedro Cardoso, reconheceu ontem os problemas na investigação presidida por Martha Vargas. “É com pesar que temos de tomar uma medida administrativa e afastar uma delegada. Mas não há dúvida de que a chave encontrada no apartamento dos Villela é mesma que estava na casa dos então suspeitos presos. É preciso descobrir como isso aconteceu, mas desde já confirma que a condução do inquérito não foi boa. Erramos”, afirmou Cardoso, durante entrevista coletiva realizada na sede da Polícia Civil candanga.

Segundo ele, a Corregedoria da corporação investiga o caso a partir de duas vertentes: erro grosseiro e má-fé. A primeira delas se refere a uma possível troca de chaves na 1ª DP, onde havia 28 chaves apreendidas no apartamento das vítimas. É como se a equipe chefiada por Martha tivesse encontrado uma chave na casa dos três homens, a levado para a delegacia e, depois de comparada com uma das recolhidas no local do crime, esta teria sido substituída por engano antes do teste no imóvel 601/602. A segunda hipótese trata da intenção de usar a chave apreendida para incriminar os supostos assassinos dos Villela.

Para Cardoso, quaisquer das possibilidades desqualifica a prova e mancha a imagem da investigação tocada pela unidade da Asa Sul. “Esse tipo de procedimento macula a polícia, pois somos um órgão técnico”, explicou. Ainda assim, o diretor-geral da Polícia Civil confia no trabalho hoje comandado pela Coordenação de Investigação de Crimes Contra a Vida (Corvida). Equipes lideradas pelo delegado Luiz Julião Ribeiro assumiram a investigação na primeira quinzena de dezembro — o inquérito é presidido pela delegada Mabel Faria.

Exoneração
As discussões no meio jurídico sobre a possibilidade de troca de unidade responsável pela apuração do caso começaram uma semana depois das prisões de Alex e Rami e da apreensão da chave do Villela, em 3 de novembro. O Correio levantou que causou estranheza ao Ministério Público do DF e Territórios(MPDFT) a localização do objeto. Tanto que no dia 11 daquele mês a Justiça do DF pediu que a investigação saísse do âmbito da 1ª DP para a Corvida. No texto, citou arbitrariedades, com detenções sem mandado. Procurado ontem, o promotor Maurício Miranda, do Tribunal do Júri de Brasília, evitou comentar as falhas no inquérito da 1ª DP, mas apoiou a decisão da Polícia Civil em elucidá-las.

A delegada Martha Vargas acabou exonerada da chefia da 1ª DP antes de a Corregedoria abrir a sindicância interna. O delegado Cardoso explicou que tomou tal decisão para preservar os trabalhos. “Tínhamos de garantir condições de continuar este inquérito com isenção”, explicou. O afastamento saiu publicado no Diário Oficial do Distrito Federal de ontem. Pela manhã, ela participou de reunião com Pedro Cardoso, o diretor-adjunto da Polícia Civil, Adval Cardoso de Matos; o diretor do IC, Celso Nenevê; e o secretário de Segurança Pública do DF, João Monteiro. Ao sair, limitou-se a dizer: “Quem não deve não teme”.

Martha Vargas continua na corporação, pois entrou por meio de concurso público. Alvo de investigação, ela poderá sofrer processos administrativos e criminais. Caso seja comprovado o erro, responderá internamente. As sanções vão de advertência a expulsão. Mas, se ficar constatado que houve intenção em plantar a prova, ocorrerá uma implicação criminal. O artigo 347 do Código Penal, que trata de atos que induzem ao erro o juiz ou o perito, prevê penas de três meses a dois anos de prisão. Agentes da 1ª DP serão ouvidos, mas a responsabilidade da possível falha recai sobre ela. A chefia da delegacia da Asa Sul ficou com o delegado Watson Warmling.

Fonte: Correio Brasiliense

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