sábado, 15 de maio de 2010

Prisão de Advogados - Criminalização do Desrespeito aos Direitos Expostos no Art. 7º da Lei 8.906/94


por Carlyle Augusto Negreiros Costa*

Essa semana recebi um e-mail de um amigo, no qual se tratava de um arquivo em áudio de uma discussão entre advogados e um juiz em Pernambuco que acabou na delegacia. O fato relatado em áudio despertou uma curiosidade de fazer uma pesquisa mais aprofundada sobre o assunto.

Esse fato ocorreu no dia 15 de setembro 2009, na Vara Única de Inajá-PE. Os advogados Afrânio Gomes de Araújo e Hélcio de Oliveira receberam voz de prisão do juiz Carlos Eduardo das Neves Mathias, juiz substituto na Vara, depois de insistirem para ter acesso aos autos de inquérito policial contra clientes deles. A seccional pernambucana da OAB levou o caso ao conhecimento da Corregedoria do Tribunal de Justiça de Pernambuco e também ao Ministério Público.

Um pouco atônito com o fato ocorrido, resolvi fazer uma pesquisa mais aprofundada e descobri que este é só um, em meio a várias prisões arbitrárias, as quais violam as prerrogativas profissionais do advogado. As prerrogativas profissionais do advogado são instrumentos necessários ao desempenho de nossa função, e por ser de natureza pública, torna-se essencial à manutenção da ordem jurídica e do Estado Democrático de Direito.

No Piauí, o advogado Marcelo Pio foi preso pelo delegado da Central de Flagrantes, Paulo César, por um suposto desacato a autoridade, o advogado afirma que sequer discutiu com o delegado. O presidente da seccional da OAB/Piauí se manifestou sobre o caso, Paulo César foi afastado pelo secretário de Segurança Robert Rios.

Em Guaíba-RS, o advogado Roberto Preussler Júnior foi preso e algemado no dia 2 de julho de 2009, por supostos desacatos à juíza Marialice Camargo Bianchi, titular da 3ª Vara Cível dali e à promotora de Justiça Gisele Muller Monteiro.

No caso em tela, segundo a versão do advogado, em ação de alimentos, a magistrada e a promotora queriam impor uma obrigação acima da capacidade financeira de seu cliente. Ele se opôs. A juíza teria determinado que o advogado se retirasse da sala, o que deixaria seu cliente sem defesa. O profissional negou-se a sair. O incidente se agravou. Oficiais de justiça, seguranças do Foro e dois PMs foram chamados.

O Conselho Seccional da OAB-RS decidiu por unanimidade, conceder público desagravo ao advogado Roberto Preussler Júnior por duplo fundamento. Primeiro: descumprimento da lei que estabelece que toda a vez que um advogado receber voz de prisão, a OAB deve ser imediatamente informada para acompanhar o caso. Segundo: desconsideração da
Súmula Vinculante nº 11 do STF que limita o uso de algemas a casos excepcionais.

Para que os advogados possam usufruir dessas prerrogativas, é preciso, antes de mais nada, conhecê-las. É preciso conhecer o artigo 7.º do Estatuto, para estas não fiquem somente no papel, mas ganhem força e sejam reconhecidas por todos. Nesse caso, atentaremos no que tange especificamente às prerrogativas profissionais ligadas à prisão do advogado.

Analisemos aqui, a extensão destas prerrogativas e os mecanismos à nossa disposição para exigirmos o seu cumprimento. Desta feita, cabe abordar as prerrogativas ligadas às condições específicas para que possa haver a prisão cautelar do advogado, as quais encontram-se disciplinadas no inciso IV e no § 3.º do art. 7.º do nosso Estatuto, Lei n.º 8.906/94.

Reza o art. 7.º, inciso IV, do
Estatuto do Advogado, que é direito do advogado:

"ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade e, nos demais casos, a comunicação expressa à Seccional da OAB".

E o § 3.º do mesmo artigo 7.º dispõe que:

"O advogado somente poderá ser preso em flagrante, por motivo de exercício da profissão, em caso de crime inafiançável, observado o disposto no inciso IV deste artigo".

Assim vejamos, para que o advogado seja preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da profissão, terá direito a um representante da Ordem para acompanhá-lo durante a lavratura do auto de flagrante, sob pena de nulidade do ato. Deste modo, vale ressaltar, que esta prerrogativa não vale para outros tipos de prisão, como a preventiva, que será cumprida sem necessidade de presença de representante da Ordem.

Melhor dizendo, se o crime cometido por motivo ligado ao exercício profissional for afiançável, a prisão em flagrante do advogado não poderá ocorrer. Por isso da presença do representante da Ordem, pois este comparece para verificar a regularidade, ou não, da prisão.

Ressalte-se, que em nenhuma ocasião o advogado deve ser algemado. Aliás, essa regra é válida não só para o advogado, mas para todo cidadão, pois com a edição da Súmula Vinculante n.º 11 pelo Supremo Tribunal Federal ninguém mais deve ser algemado, a menos que ofereça resistência à prisão, ou ofereça grave risco de fuga, e neste caso, a decisão de algemar deve estar fundamentada.

Vamos recordar que este dispositivo legal, o qual determina a presença de representante da OAB nos casos já indicados, foi suspenso pelo STF, em 1994, liminarmente, na ADIn n.º 1127, proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros. No entanto, ao ser julgada em 2006, o Pleno do Supremo Tribunal Federal julgou improcedente o pleito, entendendo absolutamente condizente a prerrogativa com a ordem jurídica vigente.

É preciso destacar, que essas prerrogativas não são privilégios, elas existem pela própria natureza do nosso trabalho, que é a defesa dos direitos de alguém. Então, no momento que um juiz, delegado de polícia, serventuário da justiça, impede a atuação do advogado, ou até mesmo comete um crime de abuso de autoridade, algemando o advogado, prendendo o advogado, sem nenhum motivo, sem nenhuma razão, esse é um fato muito grave.

O exercício da advocacia é indispensável e necessário à sociedade, pois visa não só à preservação desta como também a de cada pessoa que nela se ache convivendo. O envolvimento do advogado com questões de ordem social e da própria ordem jurídica torna a profissão peculiar às demais atividades profissionais.

A Constituição Federal enuncia em seu artigo 133, que "o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei". A Lei nº 8.906/95, também fixa essa condição de indispensabilidade, reafirmando em caráter regulamentar a disposição que já se acha inscrita no próprio texto constitucional.

É, a despeito do tratamento legal referido, vista como atividade privada, embora esteja alçada, por específica disposição constitucional, à condição de função essencial à justiça, devendo ser exercitada de forma independente e sem vínculos diretos como Estado que apenas remunera o profissional da advocacia quando este se vincula aos seus próprios quadros. Não lhe retira a condição de serviço público, ante a importância que se lhe empresta, esse fato de poder e ser normalmente exercitada de forma independente.

O Estatuto da Advocacia torna inconteste a natureza que se deseja no sistema legal vigorante emprestar-lhe, estatuindo que "no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social". Discorrendo a respeito da questão ora versada, Ruy de Azevedo Sodré afirma que: "O advogado exerce função social, pois ele atende a uma exigência da sociedade. Basta que se considere o seguinte: sem liberdade, não há advogado”. Assim, resume-se que, sem a intervenção do advogado não há justiça, sem justiça não há ordenamento jurídico e sem este não há condições de vida para a pessoa humana. Logo, a atuação do advogado torna-se imprescindível para que funcione a justiça.

O jurista acrescenta ainda que: "Realmente, não pode haver vida social sem ordem jurídica, e esta é que imprime o equilíbrio das relações. O advogado é um elemento atuante na manutenção da ordem jurídica, visto que através dele se manifesta a Justiça".

J. B. de Arruda Sampaio, citado por Ruy A. Sodré, assevera que o advogado: "exerce uma função social porque tudo na vida depende do Direito, tudo se subordina ao império da lei. Não há vida social sem ordem jurídica e esta se movimenta mediante o trabalho, entre outros, o do advogado. Não há ordem política, ordem econômica, ordem interna, nem paz internacional, sem o respeito à ordem jurídica".

Conclui-se, que a advocacia detém, no contexto da sociedade, a indiscutível condição de função pública. Não significando privilégio de categoria profissional, como anteriormente já se teve oportunidade de enfatizar. É, em realidade, o deferimento de uma grande responsabilidade a todos aqueles que fazem a opção pelo seu exercício.

* Carlyle Augusto Negreiros Costa é Advogado Integrante do Escritório: Mendes Cunha Advogados - Natal-RN. É Bacharel em Direito pela Faculdade Mater Christi.

Fonte: Jurisway

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